A Escalada de Tensão entre China e Taiwan
Por Vanilo Carvalho*
A história das relações entre Taiwan e a República Popular da China (RPC) é marcada por tensões políticas, diplomáticas e militares que se estendem desde a década de 1940, quando a guerra civil chinesa terminou com a vitória do Partido Comunista da China e a fundação da RPC em 1949. Essa complexa relação é fundamental para a geopolítica da Ásia Oriental e continua a moldar a segurança regional até os dias atuais. Desde a Revolução Cultural até os recentes exercícios militares chineses, as disputas entre os dois lados têm se intensificado, levando a preocupações globais sobre o possível e iminente conflito armado
O Contexto Histórico: Da Guerra Civil à Revolução Cultural
A relação entre Taiwan e a China deve ser compreendida a partir da Guerra Civil Chinesa (1927–1949), que opôs o Partido Comunista da China (PCC) e o Kuomintang (KMT), partido nacionalista. Em 1949, com a vitória dos comunistas liderados por Mao Zedong, o governo do KMT, sob a liderança de Chiang Kai-shek, retirou-se para Taiwan, estabelecendo a República da China (ROC) em Taipei. O governo de Chiang considerava-se o legítimo representante de toda a China, enquanto o regime comunista em Pequim estabelecia a RPC no continente.
Nos primeiros anos após essa separação, Taiwan foi governada sob a Lei Marcial, e ambos os lados mantiveram uma postura de intransigência em relação à reunificação: Pequim desejava unificar Taiwan sob o regime comunista, enquanto Taipei se via como a verdadeira autoridade chinesa que, um dia, recuperaria o controle sobre o continente. O regime taiwanês recebeu apoio crucial dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, o que garantiu sua sobrevivência contra qualquer tentativa de invasão chinesa.
A Revolução Cultural (1966–1976) na China, promovida por Mao Zedong, foi um período de intenso conflito interno, em que o país enfrentou profundas reformas sociais e políticas. Durante essa época, as questões internas da China desviaram a atenção de uma possível ofensiva militar contra Taiwan. Ainda assim, Pequim nunca desistiu da ideia de reunificar a ilha. Enquanto a China estava imersa em suas transformações internas, Taiwan passou por um rápido desenvolvimento econômico, que acabou resultando em um contraste marcante entre os dois territórios, com Taiwan se transformando em um dos principais “tigres asiáticos” devido ao seu milagre econômico.
O Estabelecimento da Política de “Uma Só China”
A questão de Taiwan foi fundamental para a política externa da China durante as décadas subsequentes. Em 1971, Taiwan perdeu sua cadeira na Organização das Nações Unidas (ONU) para a República Popular da China, marcando um golpe significativo para o reconhecimento internacional da ROC. O conceito de “Uma Só China”, promovido por Pequim, afirmava que tanto Taiwan quanto o continente pertenciam a uma única China, e que a RPC era o único governo legítimo. A partir daí, muitos países passaram a cortar relações diplomáticas com Taiwan para estabelecer laços com Pequim, incluindo os Estados Unidos, que em 1979 reconheceram oficialmente a RPC.
No entanto, os EUA mantiveram uma relação informal com Taiwan, codificada no Taiwan Relations Act (1979), que estabelece a obrigação dos EUA de fornecer armas defensivas à ilha, sem, contudo, garantir explicitamente apoio militar em caso de um ataque chinês. Essa ambiguidade estratégica tem sido uma característica central da política dos EUA em relação ao Estreito de Taiwan.
A Transição Democrática em Taiwan
Nas décadas de 1980 e 1990, Taiwan passou por uma importante transição política. Sob o governo de Chiang Ching-kuo, filho de Chiang Kai-shek, o regime começou a afrouxar seu controle autoritário, levando à eventual democratização da ilha. Em 1996, Taiwan realizou sua primeira eleição presidencial direta, um marco que consolidou a natureza democrática de seu governo.
Com essa evolução política, também emergiu uma identidade taiwanesa distinta, e o movimento pela independência de Taiwan ganhou força. A possibilidade de uma declaração formal de independência por parte de Taiwan tem sido um dos principais pontos de tensão com Pequim, que ameaça responder com força militar a qualquer tentativa de oficializar a separação.
A Escalada de Tensão no Século XXI
No século XXI, as relações entre a China e Taiwan continuaram a deteriorar-se, apesar de alguns períodos de relativa calmaria. O governo do Partido Progressista Democrático (DPP) em Taiwan, especialmente sob a liderança de Chen Shui-bian (2000-2008) e, mais recentemente, de Tsai Ing-wen (2016-presente), adotou posturas que enfatizam a soberania de Taiwan, o que irrita profundamente Pequim. A China, sob a liderança de Xi Jinping, tem se tornado cada vez mais assertiva em relação a suas reivindicações territoriais, e Taiwan tem sido uma das principais preocupações da RPC.
Xi Jinping declarou que a reunificação com Taiwan é uma questão inevitável e se recusa a descartar o uso da força. O governo chinês intensificou suas atividades diplomáticas para isolar Taiwan internacionalmente e aumentou as pressões militares no Estreito de Taiwan, com frequentes incursões de aviões de guerra chineses na zona de defesa aérea de Taiwan.
Os Exercícios Militares Recentes e o Risco de Conflito
Na última semana, a China conduziu exercícios militares em larga escala ao redor de Taiwan, simulando um bloqueio e ataques à ilha, em resposta à crescente aproximação de Taipei com os Estados Unidos e outras potências ocidentais. Esses exercícios são parte de uma estratégia mais ampla da RPC para dissuadir Taiwan de avançar em direção a uma possível independência formal, além de testar a reação da comunidade internacional, em especial dos Estados Unidos e seus aliados regionais, como o Japão e a Austrália.
Os exercícios militares recentes são uma continuação de uma série de manobras provocativas que Pequim tem realizado nos últimos anos. Em 2021 e 2022, a China já havia feito demonstrações de força em resposta a visitas de delegações estrangeiras a Taiwan e acordos de venda de armas entre Taipei e Washington. Em agosto de 2022, após a visita da então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a Pequim respondeu com manobras militares sem precedentes ao redor da ilha, incluindo o lançamento de mísseis balísticos que sobrevoaram Taiwan.
O risco de uma invasão militar de Taiwan por parte da China é hoje maior do que em qualquer outro momento desde a década de 1950. Embora muitos analistas argumentem que um conflito aberto não é iminente, dada a complexidade geopolítica da região e o potencial impacto econômico global de uma guerra, a escalada contínua das tensões sugere que um confronto militar não pode ser descartado. Pequim tem investido significativamente na modernização de suas forças armadas, e o desenvolvimento de capacidades anfíbias, aéreas e cibernéticas voltadas para uma possível invasão de Taiwan tem sido uma prioridade.
Conclusão: Um Futuro Incerto
À medida que as tensões entre China e Taiwan continuam a crescer, o risco de uma guerra iminente torna-se cada vez mais real. Embora os EUA e seus aliados regionais busquem dissuadir Pequim por meio de demonstrações de apoio a Taiwan, a realidade é que o futuro da ilha permanece profundamente incerto. A ascensão de uma China mais assertiva sob Xi Jinping, combinada com a crescente identidade independente de Taiwan, cria um impasse perigoso. Qualquer erro de cálculo de ambos os lados pode desencadear um conflito que teria consequências devastadoras não apenas para Taiwan e a China, mas para toda a ordem internacional.
Autor:
*Vanilo de Carvalho
Advogado, Professor Universitário, Presidente da Academia Brasileira de Cultura Jurídica, Especialista em Direito Constitucional, mestre em Negócios Internacionais, membro da Academia Brasileira de Hagiologia, ex-Presidente da Escola Superior de Advocacia, ex-conselheiro da Oab, ex-membro da Comissão Nacional do Exame de Ordem, ex-membro da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, Advogado-Professor Padrão/OABce, membro do Conselho Executivo do Museo Histórico da Oab, especialista em Direito Constitucional, Procurador do Superior Tribunal Desportista, membro da Comissão de LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, Presidente da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, escritor e humanista