ArbitragemDIREITO

Decisão do STJ reforça segurança jurídica da arbitragem

Para especialistas, segundo o site JOTA, nulidade de uma sentença arbitral não pode ser baseada em meras omissões formais no dever de revelação

Duas recentes decisões da Justiça sobre pedido de anulação de sentenças arbitrais, a partir do dever de revelação do árbitro,  revelam que é necessário a comprovação de um vínculo forte e direto do árbitro com uma das partes e ainda com alguma vantagem financeira para que seja caracterizada quebra da imparcialidade no julgamento.

Em setembro passado,  a 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo 1093678-77.2022.8.26.0100) anulou uma sentença arbitral depois que a parte apelante alegou que o árbitro-presidente já atuava como parecerista habitual do escritório de advocacia da outra parte e  que chegou a receber R$ 800 mil por um dos pareceres. Ainda segundo os apelantes, durante o curso da arbitragem o árbitro-presidente foi contratado pelo mesmo escritório para dar um parecer em um outro procedimento arbitral.

O árbitro sustentou que a atuação dele como parecerista do escritório de advocacia não  poderia ser revelado, pois violaria o sigilo profissional e a privacidade dos envolvidos. Entretanto, os desembargadores do TJSP entenderam que o procedimento arbitral ficou comprometido, por conta da legítima desconfiança sobre a equidistância do árbitro-presidente e decidiram por anular a arbitragem.

No entanto, não é qualquer omissão que caracteriza quebra do dever de revelação e motiva anulação de uma sentença arbitral. A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de um recurso especial, em junho passado.

O chamado dever de revelação, previsto no artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), diz que “estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil”.

O parágrafo primeiro do mesmo artigo diz que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

Decisão do STJ

Num outro caso que envolve o dever de revelação do árbitro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve, em junho deste ano, a sentença arbitral proferida numa disputa milionária envolvendo duas empresas de serviços hospitalares. Foi a primeira decisão de uma turma do STJ em que a questão central analisada foi o dever de revelação (REsp 2101901).

A parte recorrente  argumentou que o árbitro omitiu que o escritório de advocacia do qual faz parte presta serviços a uma terceira empresa de saúde que possui relação comercial com a parte vencedora na arbitragem. A ministra Nancy Andrighi, por sua vez, destacou que não foi comprovada relação societária entre as duas empresas e, mesmo que houvesse, isso por si só não seria suficiente para determinar a parcialidade do árbitro e consequente anulação da sentença arbitral.

“No entendimento da doutrina, a violação do dever de revelação, por si só, é insuficiente para comprometer a atuação do árbitro, sendo necessário que o juiz faça a avaliação a respeito da relevância e do impacto da omissão para saber se ela afetou a imparcialidade e a independência do árbitro. (…) Assim, não basta que o fato não revelado abale a confiança da parte, é preciso que ele demonstre a quebra de independência e imparcialidade do julgamento feito pelo árbitro. Para tanto, são necessárias provas contundentes, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que tange aos seus impactos”, diz a decisão da relatora.

Para Felipe Varela Caon, sócio do Serur Advogados, a decisão do STJ reforça a segurança jurídica da arbitragem no Brasil ao estabelecer que a nulidade de uma sentença arbitral não pode ser baseada em meras omissões formais no dever de revelação do árbitro.

“Além disso, ao reforçar a importância da impugnação tempestiva de eventuais conflitos de interesse ou impedimentos do árbitro, o STJ promove um comportamento de boa-fé por parte das partes envolvidas. Esse aspecto evita que a arbitragem seja usada de maneira estratégica para contestar decisões desfavoráveis após o término do procedimento, aumentando a previsibilidade e a eficiência do sistema arbitral”, avalia.

Para Maria Eduarda Mafra de Mendonça Melo, advogada na área cível empresarial estratégico do Benício Advogados Associados, o que foi decisivo para que haja soluções diferentes em ambos os casos foi o fato de que a omissão no caso do TJSP se refere a uma atuação direta, com proveito econômico do árbitro, que não poderia ser facilmente verificado pela parte.

“Enquanto o caso do STJ, a suposta imparcialidade alegada advém de uma atuação do árbitro de forma indireta, com terceiro que teria relação comercial com uma das partes, o que, por si só, não é causa para impedimento do árbitro. Além de que houve falha da própria parte em fazer a pesquisa que lhe cabia, tendo aguardado para suscitar a dúvida apenas quando o resultado lhe foi desfavorável. Isso não é cabível neste procedimento, pois a Lei de Arbitragem impõe o dever à parte de se insurgir na primeira oportunidade que lhe cabe”, explica a especialista.

Diretrizes do CBAr

O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) divulgou, no ano passado, uma lista de 11 diretrizes sobre o dever de revelação do árbitro, sem caráter obrigatório, com o objetivo de reforçar a segurança do processo arbitral.

Uma das recomendações diz que o dever de revelação “permanece durante todo o curso do processo arbitral até o esgotamento da jurisdição do árbitro”. Outra indicação é que uma eventual omissão no dever de revelação não resulta, necessariamente, na falta de independência ou imparcialidade do árbitro. E que a falha “deverá ser aferida à luz da natureza e da relevância do fato não revelado, conforme a visão de um terceiro que, com razoabilidade, analisaria a questão e as circunstâncias do caso concreto”, diz o texto.

Também consta da lista o “dever de curiosidade das partes”, isto é, que antes da aceitação do árbitro, “as partes têm o ônus de se informar a respeito de fatos públicos e de fácil acesso, podendo realizar pesquisas por conta própria para se assegurar do correto exercício do dever de revelação pelo árbitro”. E que qualquer questão relativa à independência ou à imparcialidade do árbitro deve ser exposta na oportunidade mais imediata.

Fonte – JOTA

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