Justiça Federal

Entrevista Nota 10: Leonardo Carvalho e a imprescindível transparência jurídica

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Leonardo Carvalho compartilha sua trajetória profissional e comenta a importância da transparência jurídica na manutenção da democracia pela gestão pública

Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho é desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), onde integra a 2ª Turma, e vice-corregedor regional do Juizados Especiais Federais do TRF5. O jurista iniciou a carreira na advocacia privada e eleitoral, mas foi na área de gestão pública jurídica em que “fincou os pés”.

Com a experiência adquirida no período em que foi ouvidor do Conselho Nacional do Ministério Público (2015 a 2017), idealizou a criação da plataforma Gestão na Ponta dos Dedos. A iniciativa traz informações estatísticas destinadas a instruir o magistrado quanto ao acervo de processos sob sua responsabilidade, buscando uma maior eficiência e celeridade na prestação jurisdicional.

Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza, Leonardo realizou a Especialização em Direito Processual Civil e é mestre em Direito e Gestão de Conflitos por sua alma mater. Também participou do Mediation Skills Training Program da Columbia University School of Law, nos Estados Unidos. Hoje é doutorando na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na linha de investigação em Estado e Regulação.

Na Entrevista Nota 10 desta semana, o desembargador compartilha fala da trajetória profissional e comenta sobre a importância da mediação de conflitos e da transparência na manutenção jurídica da democracia pela gestão pública.

Confira na íntegra a seguir.

Entrevista Nota 10 – Poderia compartilhar conosco um pouco sobre como se deu sua trajetória na área jurídica?

Leonardo Carvalho – Quando ingressei no curso de Direito na Unifor, iniciei meus estágios ainda como acadêmico na Defensoria Pública do estado do Ceará e, em seguida, em alguns escritórios de advocacia de Fortaleza. Me formei em 1999 e passei a advogar na área eleitoral, integrando o escritório do doutor Francisco Xavier Torres. Fundei meu próprio escritório, no qual atuei exclusivamente na área de direito público, especialmente na área de direito eleitoral partidário e também direito municipal. Ao longo da década de 2000, integrei a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde participei de várias comissões e fui Conselheiro Estadual na sessão do Ceará. Também fui eleito Conselheiro Federal Suplente.

Em 2013, fui indicado pelo Senado Federal, sendo sabatinado na Comissão de Constituição de Justiça do Senado e, posteriormente, aprovado no Plenário para representar a sociedade civil no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – ocasião em que exerci, na instituição, a presidência da Comissão de Acompanhamento Legislativo e Jurisprudência. Participei de outras comissões também de planejamento estratégico e fui reconduzido ao cargo de Conselheiro Nacional do Ministério Público (MPCE) em 2015, quando também fui alçado à função de Ouvidor Nacional do MPCE. Fiquei até 2017 nessa importante instituição, que tem a função de fiscalizar a atuação dos membros do Ministério Público.

Ao longo do processo de escolha (2015 a 2017) para a vaga de desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), integrei a lista tríplice elaborada, votada e enviada à Presidência da República pelos desembargadores do TRF5. No dia 31 de março de 2017, o então presidente Michel Temer escolheu o meu nome. Atualmente também estou integrando a Vice-Coordenadoria Regional do Juizado Especiais Federais da 5ª Região (formada por seis estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe). Agora, no próximo dia 14 de dezembro, participaremos de uma eleição para a mesa diretora na condição de candidato para a Corregedoria Regional Federal.

Entrevista Nota 10 – Qual a função do desembargador federal para a manutenção do estado democrático de direito no Brasil?

Leonardo Carvalho – A função do Poder Judiciário é garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado. Um juiz atua após a provocação do jurisdicionado por pessoa física ou jurídica, que busca o reconhecimento de um direito que entende estar sendo violado. Analisando a situação apresentada, o juiz aplica as normas jurídicas que incidem sobre o caso,
O desembargador atua nos chamados tribunais de segunda instância, podendo, após interposição de recursos, manter a sentença do juiz de primeira instância ou modificá-la.

O desembargador (juiz) age mediante provocação, em obediência à Constituição Federal e às normas legais, observando os direitos fundamentais da pessoa humana e os princípios constitucionais e legais que permeiam o caso concreto. De acordo com Mauro Cappelletti, cabe ao Judiciário a manutenção da higidez constitucional, o que contribui para a manutenção do próprio Estado e do estado democrático de direito brasileiro.

Sérgio Antônio Fabris sustenta que a expansão do papel do Judiciário representa uma resposta ao crescimento dos demais poderes estatais (Legislativo e Executivo), representando contrapeso necessário, em um sistema democrático de checks and balances, à paralela expansão dos ramos políticos do Estado moderno.

Segundo Celso Furtado Campilongo, os diversos grupos sociais que compõem atualmente a sociedade brasileira têm percebido o Poder Judiciário como essencial para a afirmação dos direitos fundamentais e da superação do déficit de cidadania.

Entrevista Nota 10 – Além do título de especialista em Direito Processual Civil, sua capacitação profissional no Direito ainda conta com um Mestrado em Gestão de Conflitos pela Unifor e um Mediation Skills Training Program pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. De que forma esse conhecimento sobre mediação de conflitos no direito influencia na atuação de um desembargador? Você acredita que essa seja uma competência vital à função?

Leonardo Carvalho – Para garantir um bom ambiente organizacional, é importante saber resolver os conflitos que se apresentam, considerando que toda equipe é formada por pessoas diversas, com costumes e personalidades diferentes, que precisam trabalhar de forma coordenada e harmônica para atingir os objetivos previstos para a organização. O Mestrado em Gestão de Conflitos trouxe uma melhor capacitação para dirimir qualquer impasse que se desenrole no âmbito de trabalho no Tribunal.

Da mesma forma, o Mediation Skills Training Program proporcionou uma visão mais ampliada da importância de ajudar a evitar o prolongamento das lides, buscando uma melhor solução para as partes envolvidas, evitando-se maiores discussões, custos e tempo.

Um desembargador (juiz) procura decidir de forma mais justa a controvérsia e, quando possível, principalmente após a vigência do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, em processos que se faz possível, busca incentivar o acordo entre as partes, enviando os autos ao setor de conciliação.

Para um juiz, é fundamental ser imparcial, mas também ter o senso e as habilidades necessárias para dirimir conflitos, já que os processos judiciais são formados justamente pelas lides que se apresentam. Nos termos do art. 139, IV, do CPC, o juiz deve dirigir o processo conforme as disposições do Código, incumbindo-lhe: “V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.” A norma legal incentiva que o juiz promova a mediação. Portanto, é necessário a função do julgador saber mediar e resolver os conflitos.

Entrevista Nota 10 – Você foi Ouvidor Nacional do Ministério Público e sua dissertação abordou o tema “Ouvidoria, transparência e controle social: a experiência da ouvidoria nacional do Conselho Nacional do Ministério Público”. Como pode explicar a importância desse órgão para o controle das instituições públicas e a clareza nos processos administrativos e governamentais?

Leonardo Carvalho – A Ouvidoria Pública foi uma conquista da sociedade. É um órgão que tem como finalidade estreitar as relações entre a instituição pública ou privada – e aqui nós estamos falando de pública, que foi a Ouvidoria Nacional do Ministério Público – e a sociedade. Penso que a Ouvidoria, de fato, exerce um papel importantíssimo para a consecução dos princípios democráticos do nosso País na medida em que oportuniza ao cidadão levar as suas insatisfações e os seus elogios aos gestores da instituição.

A Ouvidoria representa um verdadeiro termômetro porque ela compreende exatamente o lócus da recepção de todas as insatisfações, reclamações e elogios. Tudo que é positivo e negativo por parte do que a sociedade reporta, em razão dos serviços públicos realizados pela instituição, são coletados pela Ouvidoria. Ela exerce o papel de ser um instrumento de dar resposta ao cidadão. Então, a importância de uma ouvidoria preparada e qualificada é a de atender, no menor tempo possível, aquela insatisfação que o cidadão tem. Seja de um pleito que foi formulado administrativamente e, até o momento, não teve uma resposta, a Ouvidoria instrumentaliza essa possibilidade de dar uma resposta ao cidadão das razões pelas quais ainda não foi atendido o seu pleito, além de fazer com que os gestores tenham conhecimento das dificuldades e obstáculos que o cidadão tem tido ao usufruir dos serviços públicos.

Então esse termômetro viabiliza, inclusive, uma percepção por parte dos gestores de melhor correção de suas atitudes organizacionais para a execução do serviço público. Igualmente penso, e essa foi uma das linhas que nós adotamos no nosso estudo, de fazer com que também a Ouvidoria seja o ambiente de mediação. Se ela colhe as insatisfações da sociedade, ela também pode ser o lócus de resolução desses conflitos. Daí porque a ouvidoria sendo um instrumento de mediação, para além de exercer seus papéis institucionais, também poderá ser um instrumento muito efetivo de soluções de conflitos. Sei que naturalmente tem que haver a instalação de procedimentos e processos para a responsabilização, mesmo a execução, dos serviços que pretendem ser auferidos pela sociedade civil.

Entrevista Nota 10 – Para finalizar, você poderia compartilhar quais são os principais desafios da gestão jurídica do País na busca pela evolução da transparência nos órgãos públicos?

Leonardo Carvalho – A transparência no Judiciário pode designar a possibilidade de que as ações e atos processuais, assim como atos administrativos, possam ser acompanhados pelo cidadão, proporcionando uma maior clareza dos procedimentos existentes, com exceção dos considerados sigilosos na norma legal. O Judiciário tem em sua missão a responsabilidade de primar pela transparência em sua relação com a sociedade, devendo sua gestão se organizar e se estruturar de maneira que possa atender da melhor forma o interessado.

Dentre os desafios da gestão jurídica do País na busca pela evolução da transparência nos órgãos públicos, encontram-se os próprios aspectos culturais do serviço público, que por anos cultivou a ideia de restringir informações em nome da privacidade. Sabe-se que, de fato, nem toda informação pode ser aberta ao público, considerando as restrições legais. Mas ainda está em construção, e acredito que já bem avançada, a política da transparência das informações. Outro desafio a ser enfrentado é a necessidade de maior suporte estrutural, com as novas tecnologias que vem surgindo e que possibilitam um trabalho mais ágil e claro, levando ao interessado a informação que busca no sistema judiciário.