Projeto de reforma do Código Civil traz retrocessos à governança corporativa
Sergio Luiz Beggiato Junior*
Dois novos dispositivos referentes ao Direito Empresarial representam graves retrocessos para a governança corporativa, enfraquecendo a posição dos sócios minoritários
No final de fevereiro, a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, instalada no Senado Federal, apresentou o Relatório Geral contendo a proposta final de redação que será analisada pelo Congresso Nacional. O texto, porém, não tem passado imune a críticas e polêmicas. Dois novos dispositivos incluídos no livro dedicado ao Direito Empresarial representam graves retrocessos para a governança corporativa, enfraquecendo a posição dos sócios minoritários.
A proposta de redação do novo art. 966-A traz um novo rol de princípios interpretativos do direito empresarial, dentre os quais estaria incluído o “da deliberação majoritária do capital social, conforme as peculiaridades na constituição da empresa” (inciso VI).
Isoladamente, o novo “princípio” parece não se afastar da regra já existente na redação atual do Código Civil, uma vez que o art. 1.076 estabelece o princípio majoritário no direito empresarial. Porém, é a leitura conjugada desse princípio com a proposta de redação do art. 1.072, § 4º, que acende um alerta para a proposta contida no anteprojeto.
A legislação societária brasileira traz como regra geral que as deliberações dos sócios devem ser tomadas em assembleia (ou reunião de sócios), o que garante a todos os “proprietários” da empresa a possibilidade de manifestarem suas posições acerca dos temas em debate. A exceção, prevista no Código Civil, ocorre quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto de deliberação (art. 1.072, § 3º).
Contudo, o anteprojeto do Código Civil pretende alterar essa dinâmica, ao dispensar a realização de assembleias quando “os sócios representativos da maioria do capital social decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”.
A proposta guarda o potencial de excluir completamente o sócio minoritário do processo decisório (ainda que detentor de 49,9% do capital social da empresa!), fragilizando os mecanismos societários de fiscalização e controle sobre a atuação dos majoritários.
Trata-se, como dito, de grave retrocesso à governança corporativa – cujo pilar da equidade pressupõe o “tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas”, conforme definido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. E, com a possibilidade de que os majoritários tomem decisões sem sequer ouvir os demais sócios, a equidade sofrerá um profundo golpe.
Temas importantíssimos, como escolha de administradores, operações de M&A ou modificações do contrato social, poderão ser decididos à revelia de sócios minoritários, o que demonstra ser urgente repensar a proposto contida no anteprojeto.
A proteção dos direitos dos minoritários, aliás, é um importante instrumento para melhoria do ambiente de negócios de um país (tanto que correspondia a um dos eixos temáticos de avaliação do Relatório Doing Business, do Banco Mundial), e há inclusive iniciativas legislativas para ampliar a tutela dos minoritários no âmbito das sociedades por ações (como o Projeto de Lei nº 2.925/2023, baseado no estudo Private Enforcement of Shareholder Rights, produzido pela OCDE).
Assim, a proposta contida no anteprojeto de reforma do Código Civil tem o potencial de causar importantes prejuízos ao ambiente de investimento privado brasileiro, além de trazer um claro contrassenso em comparação às demais iniciativas de modernização da legislação societária brasileira ocorridas nos últimos anos.
* Sergio Luiz Beggiato Junior é advogado no Rücker Curi Advocacia e Consultora Jurídica
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