Artigo

A Erosão Democrática Americana

Análise Crítica de “Como as Democracias Morrem” e o Paralelo com a Ascensão de
Donald Trump: Uma Abordagem Jurídica
Resumo
O presente trabalho analisa os principais questionamentos apresentados no livro Como as
Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, traçando paralelos com a
ascensão e as ações do ex-presidente americano Donald Trump. Discute-se a fragilidade
democrática sob a perspectiva da teoria política e do Direito, utilizando doutrinas e
jurisprudências relevantes para analisar o impacto de ações de líderes autoritários no
Estado de Direito.
1 Introdução
A obra Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, constitui um
marco na análise das fragilidades das democracias contemporâneas. Os autores destacam
que regimes democráticos raramente entram em colapso por meio de golpes militares ou
revoluções abruptas, mas por meio de uma gradual subversão institucional conduzida por
líderes eleitos. Este processo, descrito como “erosão democrática”, ocorre quando os
pilares da democracia são enfraquecidos por dentro, utilizando mecanismos legais e
normativos.
No caso da presidência de Donald Trump, entre 2017 e 2021, é possível identificar ações
e discursos que desafiaram a estabilidade democrática. Sob o prisma jurídico, os eventos
que marcaram sua administração revelam violações de normas formais e informais, que
enfraqueceram as instituições e fomentaram polarização. Este trabalho busca analisar
essas ações com base nos questionamentos centrais do livro, com o suporte de doutrinas
e jurisprudências aplicáveis.
2 Questionamentos Centrais da Obra
2.1 Como as democracias entram em declínio?
Levitsky e Ziblatt argumentam que democracias raramente sucumbem de forma abrupta.
Em vez disso, passam por um processo de desgaste progressivo, marcado pela subversão
das instituições e normas democráticas. Esse fenômeno, identificado como “erosão
democrática”, já foi observado em países como Hungria e Venezuela.
2.2 Qual o papel das normas formais e informais?
Além de instituições formais, como constituições e poderes independentes, os autores
destacam a importância das normas informais na preservação da democracia. Entre essas
normas, incluem-se a tolerância mútua – o reconhecimento da legitimidade de adversários
políticos – e a contenção institucional – a limitação no exercício do poder mesmo quando
permitido pela lei.
2.3 Como identificar tendências autoritárias?
Os autores identificam quatro indicadores de líderes com tendências autoritárias:
1. Rejeição ou enfraquecimento das regras democráticas;
2. Negação da legitimidade de adversários políticos;
3. Incentivo ou tolerância à violência;
4. Disposição para restringir liberdades civis e direitos fundamentais.
3 O Governo Trump e a Erosão Democrática
3.1 Discurso público e polarização
Desde sua campanha, Trump utilizou uma retórica polarizadora, frequentemente violando
o princípio da tolerância mútua. Seus discursos, embora protegidos pela Primeira Emenda
da Constituição dos Estados Unidos, aumentaram a fragmentação social e colocaram em
xeque a estabilidade democrática.
Um caso jurídico emblemático foi o Travel Ban, decreto presidencial que restringiu a
entrada de cidadãos de países majoritariamente muçulmanos. A medida foi contestada
por violar o princípio da igualdade, mas acabou validada pela Suprema Corte em Trump
v. Hawaii (2018). Juristas, no entanto, apontaram que a decisão comprometeu o equilíbrio
entre segurança nacional e proteção de direitos fundamentais.
3.2 Manipulação de instituições
Trump buscou contornar a independência do Legislativo e do Judiciário para consolidar
o poder do Executivo. Exemplo disso foi a declaração de emergência nacional para
redirecionar fundos federais à construção de um muro na fronteira com o México, decisão
contestada em Sierra Club v. Trump (2020). A questão gerou debates sobre a separação
de poderes e o abuso de prerrogativas executivas.
3.3 Liberdade de imprensa
Trump frequentemente atacou a imprensa, rotulando veículos de comunicação como
“inimigos do povo”. Embora protegida pela Primeira Emenda, essa conduta minou a
confiança pública na mídia. No Brasil, paralelos podem ser traçados com o artigo 220 da
Constituição Federal de 1988, que garante a liberdade de expressão e de imprensa,
vedando qualquer forma de censura.
3.4 Contestação ao processo eleitoral
Após sua derrota em 2020, Trump alegou, sem provas, fraude eleitoral em larga escala.
Essas alegações foram rejeitadas por tribunais federais e estaduais. O ponto culminante
foi a incitação à invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, um evento que feriu os
princípios da democracia representativa. A resposta jurídica incluiu um processo de
impeachment, embora este tenha sido rejeitado pelo Senado.
4 Análise Jurídica e Doutrinária
4.1 Rejeição das regras democráticas
Trump desafiou as normas constitucionais ao tentar minar o processo eleitoral, conduta
que se alinha aos critérios autoritários apresentados por Levitsky e Ziblatt. A doutrina de
Norberto Bobbio (Teoria da Democracia, 2000) reforça que o respeito às regras é
condição indispensável para a legitimidade democrática.
4.2 Fragilidade das normas informais
A violação das normas de contenção institucional por Trump encontra eco na obra de
Jürgen Habermas (Direito e Democracia, 1997), que enfatiza a importância de um ethos
democrático para sustentar as instituições. No caso americano, a doutrina alerta para o
risco de líderes eleitos utilizarem a legalidade como ferramenta para fins autoritários.
4.3 Uso estratégico das instituições
A jurisprudência americana evidencia como ações formalmente legais podem ser
utilizadas para fins políticos. No Brasil, Luigi Ferrajoli (Direito e Razão, 2002) discute o
fenômeno da legalidade abusiva, alertando para o perigo de manipular normas para
enfraquecer direitos fundamentais.
5 Considerações Finais
A obra Como as Democracias Morrem destaca a fragilidade dos sistemas democráticos e
a importância da vigilância constante na preservação do Estado de Direito. O governo
Trump ilustra os riscos associados a líderes populistas, que utilizam ferramentas legais
para enfraquecer instituições e subverter normas democráticas.
Como bem pontuou o ministro Luís Roberto Barroso, “a democracia não é
autossuficiente; ela depende de um compromisso contínuo com a ordem constitucional”.
A partir dessa análise, conclui-se que a defesa da democracia exige o fortalecimento de
instituições e o respeito irrestrito às normas formais e informais.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997.
Levitsky, Steven; Ziblatt, Daniel. Como as democracias morrem. São Paulo: Zahar, 2018.
Trump v. Hawaii, 585 U.S., 2018.
Sierra Club v. Trump, 140 S.Ct. 1, 2020.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Vanilo de Carvalho

Advogado, Professor Universitário, Presidente da Academia Brasileira de Cultura Jurídica, Especialista em Direito Constitucional, mestre em Negócios Internacionais, membro da Academia Brasileira de Hagiologia, ex-Presidente da Escola Superior de Advocacia, ex-conselheiro da Oab, ex-membro da Comissão Nacional do Exame de Ordem, ex-membro da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, Conselheiro da Faculdade Escola Superior de Advocacia, membro da Comissão de LGPD/OAB, Advogado-Professor Padrão/OABce, membro do Conselho Executivo do Museo Histórico da Oab, especialista em Direito Constitucional, Procurador do Superior Tribunal Desportista, Presidente da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, escritor e humanista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.