Além da contratação, o mercado jurídico precisa estar preparado para reter as mulheres*
No cenário atual do mercado jurídico, um fenômeno notável tem sido observado: as mulheres representam maioria nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), respondendo por expressivos 51,40% das inscrições. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que a equidade de gênero no segmento ainda é um grande desafio.
É notório que a atração e contratação de mulheres advogadas não são problemas significativos no mercado jurídico. Nesse aspecto, não entramos no mérito dos marcadores sociais de diferença da interseccionalidade. De acordo com o estudo “Como está a diversidade de gênero nos escritórios de advocacia no Brasil”, da Women in Law Mentoring Brazil, as mulheres compõem uma parcela substancial dos profissionais em escritórios de advocacia, representando 57% do total. Porém, ao olhar para as posições de liderança e sócias, apenas 34,9% das mulheres ocupam esses cargos.
Essa disparidade não pode ser atribuída à falta de qualificação, pois as mulheres são maioria nas salas de aula, respondendo por 55,1% das universitárias e 53,5% do total de alunos de pós-graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda de acordo com o IBGE, um dos indicadores mais preocupantes de desigualdade de gênero no mercado jurídico é a disparidade salarial, com mulheres advogadas recebendo 23,6% a menos do que seus colegas homens. Essa lacuna salarial é ainda mais acentuada para mulheres negras, que enfrentam uma diferença salarial média de 36,7% em comparação com homens brancos na mesma profissão.
Além das estatísticas preocupantes, dados extraídos do quadro nacional da OAB mostram outro fenômeno notável: a evasão de mulheres do mercado jurídico ao atingirem os 41 anos, momento em que os homens começam a se tornar maioria. Essa evasão demonstra que questões profundas de desigualdade de gênero estão enraizadas na cultura organizacional e no ambiente de trabalho.
A questão fundamental que precisa ser destacada é que a retenção de talentos femininos é essencial para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero no mercado jurídico. Isso vai muito além da contratação e exige uma mudança substancial na cultura organizacional e nas práticas das empresas e escritórios de advocacia.
Para efetuar mudanças significativas, é imperativo que ações concretas sejam tomadas:
- Fomentar mentoria e redes de apoio;
- Incentivar a criação de programas de mentoria e redes de apoio específicas para mulheres no mercado jurídico é fundamental. Isso ajuda no desenvolvimento de carreira e no compartilhamento de experiências;
- Transparência na remuneração;
- Promover a transparência nas políticas de remuneração é crucial para eliminar desigualdades salariais;
- Flexibilidade na jornada de trabalho;
- Oferecer opções flexíveis de jornada de trabalho é essencial para reter talentos femininos e aumentar a satisfação no trabalho;
- Programas de educação e conscientização;
- Implementar programas de conscientização sobre igualdade de gênero e diversidade pode criar um ambiente mais inclusivo;
- Avaliação de desempenho justa e imparcial;
- Garantir que os critérios de avaliação de desempenho sejam justos e imparciais é crucial para a equidade;
- Revisar políticas de licenças parentais;
- Adaptar as políticas de licenças parentais para garantir que sejam verdadeiramente igualitárias, permitindo que ambos os pais tenham tempo adequado para cuidar de suas famílias;
- Criação de comitês de diversidade e inclusão;
Estabelecer comitês de diversidade e inclusão dentro dos escritórios de advocacia pode ajudar a direcionar estratégias e monitorar o progresso na promoção da equidade de gênero.
Liderança como modelo de mudança
A cultura organizacional de diversidade e inclusão não pode ser efetiva se não for liderada de cima para baixo. Os líderes dos escritórios de advocacia devem, não apenas endossar, mas também exemplificar atitudes e comportamentos que promovam a igualdade de gênero.
Definição de metas e métricas
É responsabilidade da liderança estabelecer metas claras para a igualdade de gênero e definir métricas para monitorar o progresso. Isso demonstra um compromisso tangível com a diversidade e permite avaliar o sucesso das estratégias implementadas.
Treinamento para a liderança
Os líderes devem receber treinamento específico sobre equidade de gênero, preconceitos inconscientes e práticas inclusivas. Isso os capacita a tomar decisões justas e a criar um ambiente onde todas as vozes são ouvidas.
Responsabilidade por cultura inclusiva
A liderança deve se sentir pessoalmente responsável por criar e manter uma cultura inclusiva. Eles devem ser transparentes com suas equipes, comunicando a importância de uma cultura de diversidade e inclusão.
Avaliação contínua e adaptação
Líderes devem estar dispostos a avaliar continuamente as políticas e práticas em vigor, fazendo ajustes conforme necessário para alcançar os objetivos de igualdade de gênero.
*Tauanne Andrade – Fundadora Ela Jurista l Equidade de Gênero no meio jurídico