Como será a relação entre advogados e a IA?
Por – Catarina Wodzik *
A Inteligência Artificial (IA) no Direito é uma realidade crescente e promissora, transformando a maneira como os profissionais da área trabalham, oferecendo maior eficiência e segurança. A adoção de tecnologias avançadas representa uma alavanca poderosa para aprimorar a prática jurídica, permitindo que advogados, juízes e operadores tomem decisões mais rápidas e bem fundamentadas, com observância aos princípios éticos e legais. Essa transformação exige, no entanto, que a IA seja construída dentro dos parâmetros do ordenamento jurídico brasileiro, regido pelo regime processual denominado ‘Civil Law’, em que a lei – interpretada pelos Tribunais – transformada com sua repetição de julgados em jurisprudência, é a fonte principal das normas no Direito.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015¹, foi estabelecida uma estrutura dogmática de um sistema de precedentes obrigatórios e persuasivos, passando-se a utilizar o termo “precedente” para designar alguns pronunciamentos judiciais que, quando são editados e publicados, nascem com a função de servir de parâmetro, com maior ou menor grau de vinculação, para decisões judiciais futuras de casos em que se discuta a mesma questão jurídica.
Nesse contexto, para o entendimento pleno de determinado tema, deve-se verificar os fundamentos que sustentam a ratio decidendi daquela decisão, se houve o enfrentamento dos argumentos suscitados em torno da controvérsia, quais são as peculiaridades de determinado microssistema, bem como as nuances entre o processo e o Direito material. Não obstante, o advogado ainda possui o trabalho de verificar se existe um precedente sobre o tema – se sim, se o precedente é obrigatório ou persuasivo; se não, se a tese representa uma linha majoritária ou minoritária na jurisprudência; e, ainda, se aquelas decisões se aplicam ao caso do seu cliente.
Isso significa que a análise do complexo de situações jurídicas imputadas aos Tribunais exige uma análise detalhada e extensa das decisões e da doutrina, uma vez que o sistema dos precedentes se forma paulatinamente. A IA, nesse caso, surge como uma ferramenta fundamental, que irá permitir que advogados compreendam a linha sequencial das decisões, sejam elas pacíficas ou divergentes, à luz do caso concreto.
Essa funcionalidade tecnológica permite ao advogado tomar decisões informadas, estratégias consistentes e estabelecer um mapeamento eficiente dos melhores argumentos para sustentar um posicionamento apropriado, respondendo com agilidade e autoridade a questões como: ‘Existem decisões aplicáveis ao meu caso?’ ou ‘Há divergências quanto a esse tema?’.
A partir da ponderação e do balanceamento de diversos critérios para a estratégia argumentativa, o advogado se beneficiará da IA na redação de peças, acelerando processos como a extração de dados, conversão de provas e de imagens e organização das informações. Essa tecnologia permitirá a redação do texto com a exposição do caso concreto com coerência e integridade, e, desde que especializada, zelará pela observância dos princípios, normas e regras do direito.
Essa realidade é latente, como demonstram os dados extraídos do 1º Relatório sobre o Impacto da IA Generativa no Direito² , desenvolvido pela OAB SP, Trybe, Jusbrasil e Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), publicado em 21 de fevereiro de 2025, que aponta que mais de 60% dos operadores do Direito já utilizam IA regularmente, especialmente para a criação e para a revisão de documentos, análise de jurisprudência e de pesquisa doutrinária.
Nesse ínterim, o Projeto de Lei nº 2338/2023 (Marco Legal da Inteligência Artificial)³ que está em trâmite no Congresso Nacional busca regulamentar o uso da IA estabelecendo direitos para os usuários desses sistemas e garantindo transparência, monitoramento e proteção de dados pessoais conforme a LGPD. A proposta visa a garantir participação humana nas decisões da IA, a correção de vieses e a privacidade dos cidadãos.
No intuito de garantir o uso responsável e ético da IA no campo do Direito, é essencial que a solução tecnológica seja treinada com dados robustos, como jurisprudência, doutrina e legislação. Em acréscimo, a ferramenta de IA deve ser validada por especialistas, contar com um sistema de revisão humana e permitir que o usuário tenha total controle sobre o resultado para verificar as referências utilizadas, ajustando a resposta final conforme seu julgamento crítico e as suas necessidades, assegurando-se, portanto, a ‘accountability’ no processo de tomada de decisão do advogado.
À luz de uma abordagem sistemática, o acesso à informação é uma condição para a construção de um ordenamento que resista à arbitrariedade e garanta a uniformidade na aplicação das normas. Nesse contexto, ferramentas de Inteligência Artificial (IA) especializadas no Direito têm o potencial de promover a isonomia processual e garantir “paridade de armas” entre as partes. Assim, a tecnologia não só fortalecerá a atuação do advogado, oferecendo-lhe recursos necessários com segurança, previsibilidade e confiança para resguardar os direitos de seus clientes, mas também contribuirá para a contínua institucionalização da tradição jurídica, tornando o sistema mais transparente, democrático e alinhado aos princípios constitucionais.
Brasil. (2015). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil¹.
Didier Jr, F. (2017). Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais dos Tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, (64), 135-148.
OAB SP, Trybe, Jusbrasil & ITS Rio. (2025). 1º Relatório sobre o impacto da IA generativa no direito² .
Pacheco, R. (2023). Projeto de Lei nº 2338, de 2023³. Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial. Senado Federal.
*Catarina Wodzik é advogada especializada em Direito de Família e Sucessões, com Mestrado em Direito Privado pela Faculdade Milton Campos, sendo integrante de grupos de pesquisa ligados à CAPES/CNPq. Atualmente, exerce o cargo de Legal Expert Senior no Jusbrasil, desenvolvendo soluções digitais inovadoras para o setor jurídico e utilizando inteligência artificial generativa.