Modelo de remuneração de direitos autorais do PL da IA é tecnicamente inviável, mostra estudo
Centro de pesquisas Reglab entrevistou técnicos especializados em inteligência artificial generativa, que apontaram limitações na regulação aprovada pelo Senado. Texto começa a ser discutido na Câmara
O projeto de lei de regulação da inteligência artificial aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2024 propõe um modelo de remuneração de direitos autorais que é tecnicamente inviável, segundo especialistas ouvidos pelo Reglab em pesquisa lançada nesta terça-feira (20). O texto começa a ser discutido hoje em comissão especial da Câmara dos Deputados.
No estudo Remuneração por Direitos Autorais em IA: Limites e Desafios de Implementação, o Reglab entrevistou profissionais técnicos especializados em inteligência artificial generativa, incluindo cientistas da computação, engenheiros de software, especialistas em aprendizado de máquina e professores universitários.
As entrevistas qualitativas em profundidade foram conduzidas de modo a compreender de que forma o treinamento de modelos de IA envolve o uso de conteúdo protegido por direitos autorais, e os desafios técnicos de colocar em prática propostas de remuneração associadas a esse uso.
Algumas das conclusões foram:
Tecnicamente, é possível rastrear o fluxo e a origem dos dados usados no treinamento de inteligências artificiais generativas. Mas os entrevistados apontaram que não há soluções escaláveis e confiáveis para medir a contribuição específica de cada obra em modelos de larga escala.
Isso porque modelos baseados em aprendizado de máquina não armazenam dados como um banco de referência consultável, mas sim como padrões generalizados a partir de probabilidades estatísticas, “quebrando” dados e convertendo as informações obtidas em números;
Por isso, determinar o impacto exato de cada obra no modelo final é praticamente impossível;
A dificuldade se deve a uma limitação estrutural da tecnologia atual – especialmente no aprendizado de máquina.
Ao criar uma imagem no estilo de um determinado artista, por exemplo, a IA usa como referência as obras deste artista, mas também outros materiais, como sátiras, estudos acadêmicos e criações de contemporâneos ou de artistas que se inspiraram na referência original.
“O produto elaborado pela IA Generativa é como um mosaico formado por milhares de peças”, diz Pedro Henrique Ramos, fundador e diretor-executivo do Reglab. “O problema é que dizer qual peça foi mais relevante é praticamente impossível – e isso importa, porque a remuneração no direito autoral é baseada no uso. Sem métricas precisas, a definição de quem paga e quanto vira arbitrária”.
Os especialistas ouvidos pelo Reglab também apontaram que limitar o uso de obras para treinamentos de inteligências artificiais pode resultar em modelos mais imprecisos e com menor capacidade de generalização. Também pode levar a um aumento de custos – favorecendo os grandes players do mercado em detrimento dos menores – e a uma fuga de centros de desenvolvimento de IA para outros países.
A pesquisa também apontou que houve baixa presença de profissionais técnicos de ciências exatas, tecnologia, engenharia e matemática nas 24 audiências da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil, do Senado Federal, que analisou o projeto de lei 2.338/2023, conhecido como Marco Legal da IA.
Julia Barreto, pesquisadora do Reglab e uma das autoras do estudo, diz que “a baixa representatividade desses profissionais nas discussões da comissão pode ser um dos motivos que explica a baixa viabilidade técnica do projeto”.
Ela também lembra que o tema de direitos autorais e IA Generativa tem sido discutido no mundo todo, e que o Brasil tem uma das propostas mais restritivas: “Em outros países, já é consolidada a ideia de que você precisa de exceções para técnicas de aprendizado de máquina, e que isso é importante para o desenvolvimento social e econômico”.
Para Ramos, as próximas etapas de discussão no Congresso representam uma oportunidade para mudar esse quadro. “Na Câmara dos Deputados, será essencial ampliar a participação de especialistas de áreas como engenharia, tecnologia e matemática no processo regulatório, não para sobrepor essas visões às demais, mas para garantir que as políticas públicas reflitam a complexidade desses sistemas”.
Sobre o Reglab
Lançado em setembro de 2024, o RegLab é um centro de pesquisas que tem como objetivo apontar tendências e ajudar o desenvolvimento dos setores de tecnologia e mídia. Trata-se de um braço do escritório Baptista Luz Advogados, há mais de 20 anos focado em causas para empresas da área. Esse é o primeiro centro de pesquisas privado do Brasil a usar uma tabela de transparência de dados para outros pesquisadores poderem confirmar a credibilidade dos estudos.
Fonte – Suzana Pertinhez – suzana@ovocom.com.br