Mudança de função ou promoção: entenda a diferença e como formalizar no contrato de trabalho
Empresas que alteram funções sem respaldo legal correm risco de ações na Justiça; desvio e acúmulo de função estão entre as principais causas de processo na área trabalhista
A mudança de função no ambiente de trabalho é uma prática relativamente comum nas empresas, porém, muitas vezes cercada de dúvidas e interpretações equivocadas. Embora a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) permita alterações nas atividades do empregado, essas modificações somente são válidas se não implicarem prejuízo direto ou indireto ao trabalhador, e se as novas atribuições forem compatíveis com sua qualificação técnica e profissional.
Porém, na prática, o que muitas vezes começa como uma simples “adaptação” pode evoluir para desvio funcional, acúmulo de tarefas ou até mesmo para o rebaixamento de função, situações essas que são vedadas pela legislação e reiteradamente rechaçadas pela Justiça do Trabalho.
A advogada especialista em Direito do Trabalho, Dra. Agatha Flávia Machado Otero, explica que é fundamental que o empregador respeite os limites legais e contratuais antes de modificar as atividades de um colaborador. “Mudança de função não é sinônimo de promoção. Enquanto uma altera o conteúdo das tarefas, a outra envolve avanço hierárquico e reconhecimento formal. Sem isso, o simples aumento salarial não caracteriza promoção automática”, afirma.
Mudança de função não é promoção
O parágrafo único do art. 456 da CLT admite que o empregador altere as funções do empregado desde que essas atividades sejam compatíveis com a condição pessoal do trabalhador, ou seja, com sua formação, experiência e capacidade técnica. Contudo, quando há atribuição de tarefas mais complexas ou de maior responsabilidade sem a devida compensação financeira ou reconhecimento formal, configura-se o chamado desvio de função, gerando o direito ao pagamento das diferenças salariais correspondentes.
“A CLT é clara ao vedar alterações contratuais que causem prejuízo ao trabalhador, conforme o art. 468. A jurisprudência majoritária também considera ilícito o rebaixamento funcional, mesmo sem redução salarial, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana e da estabilidade contratual”, pontua a advogada.
Desvio, acúmulo e rebaixamento: qual é a diferença?
De acordo com a especialista, as principais irregularidades praticadas pelas empresas quanto à alteração de funções são:
Acúmulo de função: ocorre quando o empregado passa a exercer duas ou mais funções distintas, sem receber remuneração adicional proporcional;
Desvio de função: caracteriza-se pela execução de atividades típicas de cargo superior ou com maior complexidade, sem que haja a respectiva promoção ou acréscimo salarial;
Rebaixamento funcional: acontece quando o trabalhador é transferido para funções menos qualificadas ou de menor complexidade, com ou sem redução de salário, o que é vedado pela legislação.
A situação se agrava em casos de retorno ao trabalho após afastamento por acidente ou licença médica, quando o empregador não pode alterar unilateralmente as funções do trabalhador. Ainda que temporária, tal modificação é passível de questionamento judicial, conforme preceitos da própria CLT.
Como formalizar mudanças e evitar conflitos
Na avaliação da Dra. Agatha, o contrato de trabalho e a descrição de cargo são documentos-chave para evitar conflitos.
“Esses documentos delimitam o conjunto de atribuições esperadas do empregado. Qualquer alteração que extrapola o escopo contratual deve ser respaldada por acordo mútuo ou por instrumento coletivo, conforme previsto no art. 611-A da CLT”, explica a especialista.
Caso se sinta prejudicado, o trabalhador deve registrar formalmente sua discordância, reunir provas documentais (como e-mails, ordens de serviço e testemunhos) e, se necessário, buscar a assistência do sindicato da categoria ou ingressar com reclamação trabalhista.
“O trabalhador pode requerer o retorno à função originalmente contratada, pleitear diferenças salariais retroativas ou até mesmo indenização por danos morais ou materiais, dependendo do caso concreto”, finaliza a advogada.
*Sobre a Dra. Agatha Flávia Machado – Advogada Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 494.814. Bacharela em Direito pela Universidade Santo Amaro. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho.