“Realpolitik no Século XXI: Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global”
Por – Sabino Henrique – Advogado, Jornalista, Editor do site direitoce.com.br
Motivado situação politica, econômica e institucional em que se encontra o Brasil, agravada com o tarifaço imposto pelo presidente Trump, e desconfiado das análises divulgadas pela imprensa tradicional e redes sociais brasileiras, resolvi tornar pública minha opinião através de uma série de quatro artigos, sob o titulo
“Realpolitik no Século XXI: Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global”, abaixo publicados:
Artigo 1
Do Vietnã à Tarifa: A Mutação da Guerra Americana
Análise da transição dos EUA da guerra convencional para a guerra econômica
Conteúdo:
Pós-Guerra Fria e os conflitos diretos: Panamá (1989), Golfo (1991), Kosovo (1999), Afeganistão (2001), Iraque (2003)
O custo político e humano: mortes, déficits bilionários, críticas internas (Noam Chomsky, Joseph Nye, Huntington)
A virada trumpista: menos tropas, mais tarifas, embargos e sanções — Irã (2018), China (2019), Cuba, Venezuela
A doutrina Trump: economia como arma (influência de Robert Lighthizer e Peter Navarro)
Caso prático: ataque pontual à base iraniana (2020) — guerra de precisão com apelo doméstico
Artigo 2
Dragão e Águia: Disputa Global por Hegemonia
EUA e China duelam não por ideologia, mas por poder, cultura e domínio econômico
Conteúdo:
A ascensão econômica chinesa: de Deng Xiaoping ao Xi Jinping
Soft power chinês vs. hard power americano
Cinturão e Rota vs. Parcerias Transpacíficas (TPP)
Guerra tecnológica: Huawei, TikTok, semicondutores
Biden e a continuidade da pressão: tarifas, boicotes diplomáticos, lobby global
O Brasil nesse meio: dependência da soja e minério da China vs. subordinação estratégica aos EUA
Artigo 3
Trump, Lula, Bolsonaro: Três Caminhos para o Poder
Perfis psicológicos, formações sociais e estratégias de influência popular
Conteúdo:
Trump: narcisismo e pragmatismo — autorreferente, vendedor, barulhento e imprevisível (análise baseada em The Dangerous Case of Donald Trump, Bandy Lee)
Lula: populista sindical com carisma teatral — “pai dos pobres”, mestre da negociação e da ambiguidade
Bolsonaro: militar indisciplinado, base evangélica, conservadorismo ressentido, salto político inesperado
O jogo de manipulação entre os três: como Trump usa Bolsonaro contra Lula e vice-versa
As vaidades, fraquezas e cegueiras estratégicas — onde todos acabam perdendo, inclusive o Brasil
Artigo 4
A Carta do Sapateiro: O Fim da Ilusão e o Jogo Real
Uma saída estratégica para Bolsonaro: cortar Trump e salvar o que resta
Conteúdo
A lógica da realpolitik: renunciar ao apoio externo, evitar o martírio
O gesto público: carta aberta de rompimento com Trump — ato simbólico e político
Antecipar-se ao STF e evitar o linchamento político
Recuperar parte da narrativa: “fiz o que era necessário pelo Brasil”
Lição final: nem Trump, nem Lula, nem EUA ou China têm apego real ao Brasil — são só peças
Eduardo Bolsonaro e o papel dos “sapateiros”: a importância de reconhecer limites na arena internacional
Artigo 1 – Do Vietnã à Tarifa: A Mutação da Guerra Americana
Série: Realpolitik no Século XXI – Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global
Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos assumiram a posição de superpotência global, intervindo militarmente em diversas regiões do mundo. Essa postura foi intensificada nos anos 1990 e 2000 com ações diretas no Panamá (1989), na Guerra do Golfo (1991), nos Bálcãs (1999), no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003). Em nome da democracia e da segurança internacional, os EUA impuseram sua presença a um custo altíssimo: bilhões de dólares em gastos militares, milhares de soldados mortos e crescentes críticas internas e externas.
Autores como Joseph Nye e Noam Chomsky alertaram para os limites do poderio militar diante de resistências culturais, políticas e sociais locais. O conceito de “poder inteligente” (smart power), que combina força militar com diplomacia e influência econômica, começou a ganhar destaque na era Obama, mas foi com Donald Trump que a virada estratégica se consolidou.
Trump rompe com o intervencionismo tradicional. Sob sua ótica empresarial, guerra é custo — e custo deve ser evitado. Por isso, substitui a ocupação militar por guerra econômica: tarifas, embargos, sanções e pressão sobre organismos internacionais. Exemplo disso foi a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irã em 2018 e a imposição de sanções severas, culminando no ataque cirúrgico à base de Soleimani, em Bagdá, em 2020. Nada de ocupação. Apenas um alvo, um resultado político, uma mensagem clara.
Ao invés de tanques no chão, Trump preferiu guerras comerciais. Com a China, impôs bilhões em tarifas a produtos importados. Com o México, pressionou pelo controle migratório com ameaças econômicas. Com o Brasil, impôs tarifas ao aço e alumínio, atingindo setores estratégicos da nossa economia. Em todos os casos, o argumento era o mesmo: “America First” — proteger o emprego e a produção americana.
A grande mudança está no cálculo político: guerras econômicas são mais baratas, evitam caixões retornando para casa e ainda projetam força. Como bem afirmou Peter Navarro, conselheiro de Trump, “as tarifas são o novo arsenal do século XXI”.
Para o Brasil, essa nova lógica é perigosa. Por não ter uma estratégia sólida de inserção internacional, nem um projeto consistente de soberania econômica, tornamo-nos alvos fáceis de ataques tarifários, sem meios de resposta real. O Brasil segue vulnerável — não só pela ausência de soldados, mas pela falta de estratégia.
A transição do império militar para o império comercial não torna os EUA menos agressivos — apenas mais eficientes. A força agora é contábil, digital e silenciosa. E o país que não entender essa lógica está fadado a apenas reagir, nunca a agir.
Artigo 2 – Dragão e Águia: Disputa Global por Hegemonia
Série: Realpolitik no Século XXI – Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global
Muito além das ideologias, a disputa entre Estados Unidos e China é, na essência, uma batalha por hegemonia econômica, tecnológica, cultural e estratégica. Não se trata de democracia contra autoritarismo, tampouco de capitalismo versus socialismo — ambos são capitalistas. Trata-se de quem dominará o mundo nos próximos 50 anos.
A China, desde Deng Xiaoping nos anos 1980, vem adotando uma estratégia de crescimento gradual, silenciosa e profundamente pragmática. Criou zonas econômicas especiais, atraiu investimentos, copiou tecnologias, desenvolveu gigantes industriais e hoje disputa cada centímetro do comércio global. Seu projeto “Uma Faixa, Uma Rota” (Belt and Road Initiative), que liga a Ásia, África e Europa por terra e mar, é a maior iniciativa geoeconômica do século.
Em resposta, os Estados Unidos vêm intensificando ações de contenção. O governo Trump impôs tarifas bilionárias a produtos chineses, atacou publicamente empresas como a Huawei e restringiu a venda de semicondutores. O governo Biden manteve a linha dura: vetou exportações de chips avançados e busca alianças com Japão, Coreia e Europa para conter o avanço chinês.
Esse conflito tem um forte componente tecnológico e cultural. A China aposta em inteligência artificial, infraestrutura digital e controle estatal sobre dados. Os EUA defendem a liberdade de mercado e a hegemonia das big techs americanas. É uma nova Guerra Fria, mas com armas invisíveis: cabos submarinos, satélites, algoritmos e mercados.
O soft power chinês também cresce: universidades, institutos Confúcio, mídia global e ajuda internacional silenciosa. O modelo chinês, apesar do autoritarismo, atrai países pela eficiência e previsibilidade. Já os EUA enfrentam instabilidades internas e uma imagem desgastada por guerras e crises econômicas.
E o Brasil? Está no meio do fogo cruzado. A China é seu maior parceiro comercial — compra soja, minério, petróleo. Os EUA são aliados históricos e estratégicos em defesa, tecnologia e finanças. Mas o país segue sem estratégia clara: ora submisso a Washington, ora dependente de Pequim, ora retoricamente altivo, ora pragmático demais.
Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, “o Brasil precisa pensar em termos de interesses próprios, não de alinhamento automático com potências”. Mas a elite política e empresarial brasileira ainda opera com base em interesses imediatos, sem compreender o jogo de longo prazo.
Para não ser apenas um peão, o Brasil precisaria investir em tecnologia, força militar, infraestrutura, educação geopolítica e articulação diplomática — coisas que nem a direita liberal nem a esquerda populista têm feito de forma consistente.
A disputa entre a águia e o dragão não será vencida com tanques, mas com chips, cabos, crédito e cultura. E quem não se posicionar com inteligência será apenas mercado e colônia.
Artigo 3 – Trump, Lula, Bolsonaro: Três Caminhos para o Poder
Série: Realpolitik no Século XXI – Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global
A política internacional moderna não se move apenas por ideologias, mas por personalidades. Entender o comportamento dos líderes é essencial para decifrar suas decisões e o impacto que produzem no jogo global. Trump, Lula e Bolsonaro são três figuras que romperam os padrões tradicionais e ascenderam ao poder por caminhos muito distintos — mas todos guiados, à sua maneira, por estratégias de conquista de massa e autopreservação.
Donald Trump, antes de ser presidente, foi empresário do ramo imobiliário e apresentador de reality show. Seu perfil psicológico mistura narcisismo, espírito competitivo, orgulho ferido e teatralidade midiática. Como observa a psiquiatra Bandy Lee no livro The Dangerous Case of Donald Trump, ele é movido por impulsos emocionais, mas com instinto feroz de sobrevivência política. Trump não busca consenso: impõe. Não dialoga: domina. Seu estilo é rude, agressivo e simplificado, como se vendesse ideias em praça pública. Mas por trás do ruído, há cálculo: ao usar tarifas e ataques verbais, foge de desgastes com guerras convencionais e foca no controle econômico do mundo.
Luiz Inácio Lula da Silva, ao contrário, vem das fábricas e do sindicalismo. Com baixa escolaridade formal, tornou-se mestre na oratória, na empatia e na construção simbólica de sua imagem. É o “pai do povo”, o “homem do povo”. Com sólida articulação política e espírito conciliador, governou com banqueiros e movimentos sociais, religiosos e empresários. Seu traço dominante é a astúcia estratégica e a maleabilidade moral. Lula entende de narrativa e manipulação de massas — sabe onde tocar, o que prometer e como se manter no centro da cena política. Seu ponto fraco: a vaidade e o desejo de reconhecimento histórico como o “estadista dos humildes”.
Jair Bolsonaro, por sua vez, é um caso à parte. Oficial do Exército expulso por indisciplina, deputado de baixo clero por 28 anos, sem destaque legislativo, ascendeu num vácuo político criado pelo antipetismo e pela crise da Nova República. Sua formação é militar, mas sua ascensão é midiático-digital, impulsionada por redes sociais, conservadorismo moral e aversão à “velha política”. É um homem direto, de linguagem rude, pouco afeito à diplomacia. Porém, ao contrário de Trump e Lula, Bolsonaro tem limites cognitivos visíveis e certa insegurança que o leva a se apegar a figuras mais fortes, como o próprio Trump. Essa dependência o tornou, involuntariamente, uma peça do jogo americano no Brasil.
Nesse triângulo, Trump usa Bolsonaro para atingir Lula, e usa Lula como ameaça retórica para manter sua base conservadora nos EUA alerta ao “perigo socialista” latino-americano. Para Trump, tanto Lula quanto Bolsonaro são peças descartáveis, mas úteis. Ambos lhe servem conforme a conveniência eleitoral, econômica ou geopolítica. O Brasil, nesse contexto, é apenas tabuleiro — não jogador.
O mais trágico é que nem Lula nem Bolsonaro conseguiram romper com esse papel subordinado. Lula flerta com a retórica soberanista, mas depende da China e das commodities. Bolsonaro tentou se alinhar aos EUA, mas não entendeu que Trump joga por si, não por aliados. E nesse jogo de egos, vaidades e populismos, quem perde é o país.
Artigo 4 – A Jogada de Bolsonaro: A Carta, o Xadrez e a Realpolitik
Série: Realpolitik no Século XXI – Guerra, Economia e o Brasil no Tabuleiro Global
O Brasil não pode ser refém eterno das vaidades de seus líderes nem peça irrelevante no jogo global. Quando o cenário é dominado por potências como Estados Unidos e China, nossa sobrevivência política exige estratégia. Nesse contexto, proponho uma jogada digna da melhor tradição da realpolitik: que Jair Bolsonaro, com inteligência e frieza, rompa publicamente com Donald Trump e desmonte a narrativa petista com um gesto ousado e inesperado.
A ideia é simples, mas poderosa: antes de enfrentar eventual condenação no STF, Bolsonaro poderia divulgar uma carta aberta ao presidente dos Estados Unidos, agradecendo pelo apoio informal recebido no passado, mas afirmando — com firmeza e patriotismo — que não aceitará ser usado como instrumento de desestabilização interna do Brasil. Seria um corte seco, digno, estratégico.
A carta, amplamente divulgada, teria como efeito imediato quebrar a linha de ataque da esquerda, que o acusa de agir como agente do trumpismo no Brasil. Ao renunciar ao apoio de Trump, Bolsonaro desloca a pressão para seus adversários e assume uma postura altiva, patriótica. Sai do papel de réu para o de protagonista. Como dizia Maquiavel, “em tempos de crise, é melhor agir do que ser arrastado pelos fatos”.
Esse gesto também desmontaria o discurso do PT, que vive da polarização. Se Lula é o homem das narrativas, Bolsonaro deve ser o homem dos gestos. A carta não precisa ser longa: precisa ser clara. Ao fazer isso, preserva seu capital político, resgata parte do eleitorado moderado e coloca o jogo em outro nível.
Mais importante: Bolsonaro afirma que defende o povo brasileiro, acima de qualquer interesse estrangeiro, mesmo que esse estrangeiro se chame Trump. Coloca-se como patriota e defensor da soberania nacional — valor que ainda ressoa com força entre militares, conservadores e liberais.
Quanto a Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, é preciso compreender o que ensina a velha máxima romana: “o sapateiro deve ater-se ao sapato”. Ou seja: não confundir protagonismo com precipitação. A política externa não é lugar para aprendizes.
A realpolitik exige mais renúncia do que bravata. É o jogo em que a derrota de hoje pode ser a vitória de amanhã. Ao agir com sabedoria, Bolsonaro se preserva, desafia a esquerda e, sobretudo, resgata algo que o Brasil perdeu nos últimos anos: o direito de se posicionar soberanamente, com inteligência, no mundo.
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