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O acesso à informação ainda é o elo fraco da justiça brasileira

*Por José Luiz Gomes Nogueira, CTO da DeltaAI

Nos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem desempenhado um papel decisivo na modernização do sistema judiciário brasileiro. A busca por mais transparência, eficiência e acesso tem guiado uma série de iniciativas voltadas à digitalização e à integração da Justiça em todo o país. Apesar de avanços significativos — como a Resolução nº 185, de 2013, que estabeleceu o PJe como sistema padrão, e o lançamento de plataformas como o DataJud e o jus.br —, o livre acesso a dados judiciais ainda representa uma das maiores barreiras ao pleno exercício da cidadania e à efetividade da Justiça.

Segundo o relatório “Justiça em Números 2024” do Conselho Nacional de Justiça, a produtividade do Judiciário brasileiro aumentou quase 7% em 2023, com o encerramento de 34,98 milhões de processos. Esse volume ilustra a magnitude do desafio de administrar informações em um sistema fragmentado. Num país em que os sistemas judiciais ainda operam como ilhas, com regras, portais e protocolos próprios, o ideal de centralização permanece distante. Na prática, advogados, empresas, pesquisadores e cidadãos comuns enfrentam uma estrutura descentralizada, com diferentes plataformas, interfaces pouco intuitivas e ausência de interoperabilidade.

Além de comprometer a produtividade, essa fragmentação aumenta o risco de perda de prazos, falhas de comunicação com o Judiciário e decisões mal informadas. Trata-se de um custo elevado para todos os envolvidos. O relatório do CNJ também aponta que o tempo médio de duração dos processos é de quatro anos e três meses. Contudo, esse número é agravado pelas execuções fiscais. Sem elas, o tempo médio cai para três anos e um mês. Já os processos baixados apresentam andamento mais rápido, com média de dois anos e sete meses, e sem as execuções fiscais, a tramitação dura cerca de dois anos e um mês. Esses prazos evidenciam que a falta de integração e a fragmentação dos sistemas agravam significativamente o problema, impactando diretamente o dia a dia de advogados e cidadãos.

A nova iniciativa criada com o jus.br, que visa unificar o acesso a processos judiciais, ainda não é amplamente adotada e não resolve as lacunas existentes para o advogado. A adesão por parte dos tribunais é limitada e a plataforma, apesar de promissora, não contempla todas as funcionalidades exigidas pela rotina jurídica. O resultado é uma dependência contínua de acessos manuais, login em múltiplos portais diferentes e, muitas vezes, da atuação de terceiros para consolidar informações, o que implica custos, ineficiência e risco de erros.

Para os cientistas de dados, a situação também é complexa. Embora parte das informações judiciais seja pública e não exija autenticação, o acesso é dificultado por barreiras como captchas, dados desatualizados, ausência de APIs, descentralização das informações, formatos inconsistentes e informações incorretas. Isso limita a aplicação de soluções baseadas em inteligência artificial, que dependem de grandes volumes de dados qualificados para gerar valor e apoiar a tomada de decisões.

O DataJud surgiu como tentativa de centralizar e facilitar o acesso via API, mas está notoriamente desatualizado em relação aos próprios tribunais e carece de dados que, embora públicos, não estão disponíveis na plataforma. O acompanhamento processual depende de advogados treinados em cada sistema específico e a atualização dos tomadores de decisão costuma ser feita de forma manual, o que dificulta a visão consolidada do status dos processos e impacta decisões estratégicas.

Pesquisas internas com advogados indicam que nenhum deles tem acesso a todos os sistemas judiciais e que a maioria utiliza ferramentas de terceiros para centralizar informações. Ainda assim, esses recursos são considerados imperfeitos e, em muitos casos, dependem de atualizações manuais para manter a precisão dos dados. Essas dificuldades comprometem diretamente a eficiência das empresas e a capacidade de resposta a riscos e oportunidades.

Iniciativas como a Resolução nº 370 de 2021, que define padrões mínimos para serviços digitais, e a parceria com o PNUD no projeto Justiça 4.0 demonstram um compromisso institucional com a inovação. No Núcleo de Justiça 4.0, os processos tramitam integralmente de forma virtual por meio do Juízo 100% Digital. A numeração única de processos, criada pela Resolução nº 65 de 2008, também foi um marco importante rumo à padronização. No entanto, o ritmo de adoção pelas cortes estaduais e federais segue lento e os resultados ainda estão aquém das necessidades da sociedade.

O modelo atual continua dificultando o acesso à informação e comprometendo a transparência e a eficiência que a Justiça tanto precisa. O governo brasileiro já demonstrou capacidade de implementar soluções digitais robustas e amplamente adotadas, como o gov.br e o Pix. O desafio agora é aplicar essa mesma lógica de centralização, interoperabilidade e usabilidade ao sistema de Justiça. Para isso, será necessário romper com a estrutura fragmentada atual e acelerar a adesão dos tribunais às diretrizes nacionais. A sociedade, por sua vez, precisa exigir um Judiciário mais transparente, eficiente e acessível, não como um favor, mas como um direito.

Colocar o acesso à informação judicial no centro da agenda nacional ultrapassa a dimensão técnica e configura uma exigência fundamental para o fortalecimento da democracia. Sem a disponibilização de dados abertos, atualizados e acessíveis, fica comprometida a eficácia das tecnologias de inteligência artificial, a atuação qualificada da advocacia e, sobretudo, o pleno exercício da cidadania. A digitalização da Justiça deve deixar de ser uma promessa distante para tornar-se uma infraestrutura essencial, capaz de garantir transparência, eficiência e inclusão. O momento para concretizar essa transformação é agora, sob o risco de perpetuar as limitações que ainda travam o desenvolvimento do sistema judiciário brasileiro e o acesso justo à Justiça para toda a população.

*José Luiz Gomes Nogueira -Formado em Engenharia de Computação pela Universidade de Brasília (UnB), José Luiz Gomes Nogueira é especialista em softwares e atua como CTO da DeltaAI, legaltech que aplica inteligência artificial para prever disputas jurídicas e mitigar conflitos entre empresas e conDra. Vanessa Albuquerque