Advocacia

Por que advogados abandonam um caso

Especialista explica quando a renúncia é necessária e por que ela não significa, necessariamente, a culpa do cliente

Não são apenas clientes que desistem de seus advogados: há situações em que os profissionais de Direito também decidem abandonar uma causa — situação ocorrida recentemente, nas equipes de defesas do influenciador Hytalo Santos e do empresário René da Silva Nogueira Junior, preso por matar um gari em MG. Segundo especialistas, esse movimento costuma estar ligado a questões éticas, técnicas, estratégicas ou mesmo pessoais.

Uma dúvida comum nesses casos é: advogados abandonarem um caso significa que o cliente, suspeito de um crime, é mesmo culpado?

“De forma alguma. A renúncia não é uma declaração de culpa. O advogado pode deixar o processo por inúmeras razões que não têm qualquer relação com a inocência ou a culpa do cliente”, explica o advogado Hélio Moraes, sócio responsável pela área de Digital do PK Advogados e uma das principais vozes do Direito Digital no Brasil.

“É importante que a sociedade compreenda que, assim como em qualquer relação profissional, pode chegar um momento em que não há mais condições de continuidade. E, no Direito, o limite é muito claro: quando o advogado percebe que não consegue mais representar os interesses do cliente de forma ética, técnica ou transparente, ele tem o dever de se retirar”, afirma Moraes.

Segundo o advogado, o que pode estar em jogo é a estratégia, a confiança ou até a necessidade de preservar princípios éticos. “A presunção de inocência é um direito constitucional, e ela não se altera pelo simples fato de um profissional se afastar”, diz.

Casos de abandono não estão relacionados apenas a conflitos de valores. A quebra de confiança, divergências quanto à estratégia processual e até dificuldades de comunicação podem levar ao rompimento. “Quando não existe confiança mútua, fica inviável sustentar a defesa ou o acompanhamento de um processo. A confiança é a base da advocacia”, reforça Moraes.

Outro ponto relevante é a chamada “confiança técnica”: situações em que o cliente insiste em uma tese sem respaldo jurídico, ou busca pressionar o advogado a adotar práticas contrárias à legislação. Nesses casos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) prevê que o profissional pode e deve renunciar ao caso.

“A advocacia não é um trabalho de ‘cumprir ordens’, mas de oferecer ao cliente a melhor orientação possível dentro da legalidade. Se a relação se transforma em um jogo de imposição, em que não há espaço para o diálogo profissional, a renúncia é a saída mais responsável”, afirma o advogado.

O processo de renúncia, no entanto, deve seguir regras: o advogado é obrigado a notificar o cliente com antecedência, garantindo tempo para que a pessoa encontre outro profissional, e a tomar as providências necessárias para garantir a ampla defesa, sem prejuízos (por exemplo, auxiliando na transição de caso).

“Renunciar não significa abandonar. Significa respeitar a ética, o cliente e o próprio exercício da advocacia”, finaliza Hélio Moraes.

Sobre Hélio Moraes – Sócio da área Digital do PK Advogados, é advogado (1995) e engenheiro eletrônico (1990) formado pela USP. Co-coordenador da Comissão de Tecnologia da CCBC (Câmara de Comércio Brasil-Canadá).
Vice-coordenador do Comitê de Tecnologia e Sociedade do IBDEE (Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial). Autor do livro-texto do curso de especialização em LGPD do SENAC: “Privacidade e proteção de dados pessoais”, ed. Senac, 2024. Professor do MBA USP/ Esalq; professor de LGPD no IBDEE; professor de DREX na LEC, treinador credenciado pela Exin nos módulos de privacidade.
LLM BINACIONAL LGPD & GDPR (2022), Brasil e Portugal, pela FMP/RS e Centro de Investigação em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal).