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Reforma e inovação como respostas a um judiciário sobrecarregado

Por Emanuel Pessoa*

O Brasil figura entre os países com maiores índices de judicialização no mundo. Questões que, em outros lugares, costumam ser resolvidas por vias administrativas ou extrajudiciais, como disputas envolvendo planos de saúde, tributos e relações de consumo, acabam transformadas em processos judiciais. O resultado é um Judiciário sobrecarregado, em que um único magistrado, muitas vezes, pode acumular entre 10 e 15 mil ações em sua vara.

Esse cenário não se explica apenas pelo volume de demandas, mas também pelo emaranhado de leis, normas contraditórias e alterações constantes, que cria um ambiente de insegurança jurídica e estimula a litigiosidade. Soma-se a isso uma contradição marcante: enquanto a jurisprudência impõe às partes o dever de mitigar seus próprios danos, a legislação ainda transmite a ideia de que as perdas devem ser reparadas de forma integral.

A contradição se agrava diante de um sistema que permite inúmeros graus de recurso e manobras capazes de alongar artificialmente a duração dos processos. Nesse ambiente, tanto grandes quanto pequenos escritórios se valem de todas as brechas legais disponíveis para adiar decisões, transformando a morosidade em verdadeira estratégia.

O efeito prático é um excesso de processos que gera déficit de juízes, servidores e peritos, incapazes de dar conta da demanda. A rotina, em grande parte, segue marcada por procedimentos lentos, repletos de formalidades e etapas pouco produtivas. Mesmo com os avanços trazidos pela digitalização, persistem gargalos: sistemas que não se comunicam entre si, plataformas mal integradas e uso ainda tímido da inteligência artificial. Para completar, os Tribunais contam com estruturas antiquadas, pouca padronização e falta de métricas claras de produtividade.

Diante desse quadro, enfrentar o problema exige uma Reforma Processual e Legislativa capaz de reduzir o número de recursos e limitar medidas protelatórias, estabelecendo prazos para decisões, como já ocorre nas arbitragens. Também seria necessário criar filtros eficazes para os Tribunais Superiores. Mas aí surge o impasse. Embora afirmem querer aliviar suas cargas, muitas vezes, os próprios tribunais resistem a abrir mão do poder de decidir.

Enquanto reformas estruturais encontram resistência, soluções tecnológicas despontam como alternativa imediata. O uso intensivo de inteligência artificial na triagem, análise e elaboração de minutas pode acelerar rotinas e liberar tempo dos magistrados para atividades mais complexas. Paralelamente, a criação de uma plataforma nacional unificada, em substituição ao atual mosaico de sistemas próprios de cada tribunal, permitiria padronizar procedimentos e gerar ganhos de escala em todo o país.

Por fim, é preciso reconhecer que a tecnologia, sozinha, não resolverá o problema. O incentivo à mediação e à conciliação pré-processuais precisa deixar de ser retórico e se tornar efetivo. Do mesmo modo, a ampliação do uso da arbitragem, sobretudo em disputas empresariais e contratuais, pode aliviar significativamente a sobrecarga do Judiciário.

*Emanuel Pessoa é advogado especializado em Direito Empresarial, Mestre em Direito pela Harvard Law School, Doutor em Direito Econômico pela USP e Professor da China Foreign Affairs University, onde treina a próxima geração de diplomatas chineses.