Ceará tem primeira mesária com deficiência visual total
O que é preciso para ser mesária(o)? Além dos requisitos necessários, é preciso disposição e muita vontade de aprender. A mesária Alanna Larisse mostrou que tem tudo isso, somado ao desejo de bem servir à Justiça Eleitoral. Ela foi convocada para atuar nas Eleições 2022, sendo a primeira pessoa com deficiência visual total a atuar como mesária no estado. E, para que essa atuação fosse possível, o TRE-CE disponibilizou meios acessíveis para o trabalho da colaboradora. Essa foi também a primeira eleição de Alanna como mesária. Ela trabalhou na seção 795 no Colégio SEI São Carlos, no bairro Quintino Cunha.
Alanna revelou que se sentiu surpreendida ao receber a convocação da Justiça Eleitoral. “Eu nunca me inscrevi, até por achar que o TRE não aceitaria ou que eu ficaria subutilizada”, confessou. O receio da convocada justifica-se pelas corriqueiras barreiras à inclusão de pessoas com deficiência.
Quando tinha apenas um ano e meio de idade, foi acometida por uma infecção hospitalar que atingiu os dois olhos, levando à perda da visão. Na mesma época, ela relata, foi uma das primeiras crianças do Ceará a apresentar a doença celíaca, caracterizada por uma inflamação crônica no intestino delgado devido à ingestão de glúten. No período em que isso aconteceu, houve uma greve geral dos médicos no estado, o que acarretou no atraso do diagnóstico. Por causa disso, Alanna perdeu muito peso e precisou ficar na UTI por 25 dias.
Hoje, com 31 anos, ela é casada e tem uma filha de 11 anos. É formada em Direito, com especialização em Direito Público. É servidora pública na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde atua há 7 anos, mas vem tentando ser aprovada em concursos públicos para tribunais. Seu sonho é ser juíza.
O trabalho como mesária
Uma parceria da 94ª Zona Eleitoral de Fortaleza com o servidor da 13ª ZE de Iguatu, Elizon Vieira, que também tem deficiência visual, foi importante para ambientar Alanna no trabalho de mesária. O cartório propiciou um encontro para apresentar os arquivos que ela utilizaria no dia da eleição, no que diz respeito à acessibilidade.
Lígia Sá, servidora da 94ª ZE, que acompanhou de perto toda a ambientação da mesária, relata a boa relação que teve com Alanna, assim como a facilidade que a participante teve com o trabalho. “O estigma da deficiência é muito mais um problema nosso, enquanto sociedade, de como enxergamos a pessoa com deficiência do que dela mesma, que vive essa limitação”. Lígia declara não ter constatado nenhum problema de demora no fluxo de votação na seção onde a colaboradora atuou. “Foi uma das mesárias que mais contribuiu. Ela veio para somar e somou bastante!”
Sobre o dia da eleição, Alanna relata: “Na verdade, tudo foi bem melhor do que eu esperei, confesso! Não criei muitas expectativas, não por duvidar da competência de todos que fazem a Justiça Eleitoral, mas porque sou cega desde criança e percebo que há muita resistência em relação à deficiência visual total”. No entanto, ela afirma que o dia transcorreu tranquilamente. Não sentiu qualquer interpelação por parte dos(as) eleitores(as) ou estranhamento pela equipe de mesários(as) com quem trabalhou. “a equipe que estava comigo na seção realmente acreditou que eu não estava ali apenas para ser um número e efetivamente senti que fui incluída; rapidamente criamos uma dinâmica sincronizada do fluxo de votação e naturalmente tudo foi se desenvolvendo”, afirma.
Com o auxílio de um notebook e fones de ouvido, Alanna executou as atividades como segunda mesária. Sua função era identificar, na lista digital disponível no equipamento, a pessoa que chegava para votar e, após identificá-la, ela ditava o número do título de eleitor para o presidente da seção e sua sequência no caderno de votação, para que o outro mesário localizasse o(a) eleitor(a) no caderno físico. Ela teve acesso a um arquivo com a lista do eleitorado da seção. A mesária acredita que, quando todos os processos tornarem-se digitais, “provavelmente todas as deficiências e demais grupos seriam mais participativos”. Ela entende que tudo seja um processo, como um “trabalho de formiguinha”, mas que, aos poucos, a evolução atitudinal e tecnológica vai ocorrendo.
“Vivemos em um ‘mundo’ extremamente visual e são poucas as pessoas que conseguem entender que eu apenas não enxergo. Posso adaptar muitas coisas e consigo fazer muita coisa com outra ferramenta, enfim, mas nunca vai ser como se eu enxergasse e as pessoas não conseguem entender isso, a maioria delas pelo menos”, finaliza.
Fonte – TRE-CE