Justiça Estadual

Desembargadora Sérgia Miranda e advogados são absolvidos em ação que apurava venda de liminares no TJCE

A decisão da 5ª Vara criminal da Comarca de Fortaleza inocentou Sérgia Maria Mendonça Miranda e outros réus que foram alvos da Operação Expresso 150, deflagrada pela Polícia Federal

A desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) Sérgia Maria Mendonça Miranda foi absolvida das acusações de participar de um suposto esquema criminoso de compra e venda de liminares durante plantões do TJCE. Além dela, advogados e outros réus da ação penal derivada da Operação ‘Expresso 150’, da Polícia Federal, também foram inocentados. Ainda cabe recurso da decisão.

Outros magistrados e advogados respondem a processos oriundos da mesma investigação. Destes, o único que havia sido julgado e condenado era o do desembargador Carlos Rodrigues Feitosa. Na ocasião foram condenados Carlos Rodrigues Feitosa; o filho dele, o advogado Fernando Carlos Oliveira Feitosa; os advogados Everton de Oliveira Barbosa, Fábio Rodrigues Coutinho, Sergio Aragão Quixadá Felício, João Paulo Bezerra Albuquerque, Marcos Paulo de Oliveira Sá, Michel Sampaio Coutinho; e o traficante Diego da Silva Araújo.

A decisão desta terça-feira (06), assinada pelo juiz Eduardo de Castro Neto, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, inocenta a magistrada, os advogados Carlos Eduardo Miranda de Melo e Mauro Júnior Rios, além do empresário e ex-namorado da desembargadora, Frankraley Oliveira Gome e o sócio de Frankraley e também acusado Paulo Fernando Mendonça. Já os réus e advogados Michel Coutinho, Jéssica Simão e Cláudia Adrienne foram retirados desse processo e respondem a outra ação penal que ainda não foi julgada.

Sérgia Miranda foi condenada a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo Pleno do Tribunal, em uma sessão no dia 25 de abril de 2019. Na ocasião, os 38 desembargadores presentes na sessão acompanharam o relator e votaram pela condenação da magistrada no Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que apurou a venda de liminares nos plantões. Na ocasião da aposentadoria, Sérgia Miranda já estava afastada das funções por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde outubro de 2016.

Procurada pela reportagem, a desembargadora enviou uma nota por meio da assessoria de comunicação. Ela afirmou que sempre acreditou na Justiça.

“Acabei de saber da sentença de absolvição e fico muito feliz, por eu ter sempre acreditado na Justiça. É que, como eu sei o que nunca fiz, eu tinha certeza que, se um juiz fosse ler o que tinha de provas, eu seria absolvida. Minha felicidade é porque a Justiça foi feita . E a Justiça é essa: eu sou inocente”.

Após a publicação da reportagem, a defesa da desembargadora Sérgia Miranda, realizada pela advogada Anamaria Prates, enviou nota sobre a decisão judicial: “A sentença de absolvição certificou o que a defesa tem dito desde o início: a desembargadora é inocente. Em anos carregando este fardo do processo penal nunca se teve dúvidas da inocência da desembargadora”.

Já o advogado João Marcelo Pedrosa, que representa o advogado Mauro Rios, destacou que “a decisão foi correta, justa, com suporte na prova dos autos e demonstrou a total inocência do seu constituinte, que jamais praticou qualquer ato ilícito em seu exercício profissional”.

SENTENÇA

Na sentença desta terça-feira (6), o magistrado chama a ação penal, que tem cerca de 30 mil páginas, de “monstro” processual.

“Debrucei-me sobre suas quase 30.000 (trinta mil) páginas e analisei, com a maior circunspecção e isenção possíveis, termos de acusação, provas e teses de defesa. Ofereço aqui minha particular compreensão dos fatos, obtida a duras penas após abstrair informações publicamente veiculadas, comentários nos corredores do Fórum e até diálogos corriqueiros com quem ouviu falar dos fatos, quase todos com seus próprios juízos e avaliações pré-concebidos e bem distantes dos elementos que efetivamente se avolumam dentro desses autos…”

EDUARDO DE CASTRO NETO

Juiz de Direito

Em outro trecho da decisão, o juiz afirmou ainda que “entrego a decisão mais técnica possível, com amparo na Lei, na Jurisprudência e na Doutrina. Decisum que há de dividir opiniões, principalmente dos apressadinhos que só leem os cabeçalhos das informações. Que seja, apenas cumpri o papel para o qual fui designado pelo Estado com o maior zelo e critério possível, postura que sempre adotei em quase 31 (trinta e um) anos de Magistratura e amparado pelo art. 155, do CPP, que transcrevo:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Com esse entendimento, o juiz inocentou todos os réus. Ele analisou a situação de cada um dos acusados e em vários trechos fez críticas aos investigadores e classificou a acusação de “leviana”. “As investigações da Operação 150 cometeram absurdos contra as garantias individuais, teceram ilações além do limite da razoabilidade, tipificaram como ilícitas condutas comezinhas da vida de casais, empresas e funcionários, questionaram fora das vias legais o livre convencimento motivado de Magistrados em suas decisões e… criminalizaram até a atividade da advocacia!”, afirmou.

DENÚNCIA

O grupo inocentado nesta terça havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), em novembro de 2017. A denúncia do MPF se baseou no inquérito da Polícia Federal (PF) originado a partir da Operação “Expresso 150”, deflagrada em 15 de junho de 2015. Os investigadores descobriram o suposto esquema criminoso de venda de habeas corpus nos plantões do TJCE, envolvendo desembargadores, advogados e presos, enquanto apuravam crimes cometidos por uma quadrilha especializada no tráfico de drogas.

Conversas telefônicas interceptadas pela PF na Operação “Cardume” revelaram detalhes do esquema, como os valores a serem pagos por uma decisão do Tribunal de Justiça – que chegavam a R$ 150 mil -, a organização da quadrilha para definir os detentos que seriam beneficiados, o esforço dos envolvidos para arrecadar o dinheiro que seria utilizado na negociação e a cobrança do pagamento entre eles.

Inicialmente, a investigação apontou para os advogados Michel Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo Miranda de Melo e Mauro Júnior Rios como responsáveis por articular a venda de alvarás com os desembargadores. Os pedidos de habeas corpus eram impetrados geralmente por advogados recém-formados, nos plantões de fins de semana do TJCE, e eram deferidos pelos magistrados.

DIVISÃO

A denúncia do MPF dividiu os acusados em três núcleos, referentes aos magistrados. Além de Sérgia Miranda, são investigados os desembargadores Carlos Rodrigues Feitosa, Francisco Pedrosa Teixeira, Paulo Camelo Timbó e Váldsen da Silva Alves Pereira. Destes, apenas Carlos Feitosa foi julgado e condenado.

Segundo a denúncia do órgão ministerial, no núcleo da desembargadora Sérgia Maria Miranda, o seu então namorado, empresário Frankraley Gomes, a ajudava a negociar a venda de liminares com os advogados Michel Coutinho, Carlos Eduardo Melo e Mauro Rios. A advogada Jéssica Melo, esposa de Coutinho, era uma das profissionais aliciadas para impetrar o pedido de habeas corpus no TJCE – pelo menos outros dois advogados tiveram o nome utilizado para esse trabalho, mas não foram denunciados, de acordo com o MPF.

Ainda segundo o MPF, a desembargadora Sérgia Miranda ainda é acusada de determinar o pagamento de R$ 1.119.932,01 pela massa falida da empresa Sociedade Imobiliária e Construtora Ltda. (Simcol), mediante a promessa do gerente operacional Paulo Fernando Mendonça, com o apoio da advogada Cláudia Adrienne de Oliveira, de pagar mais de R$ 217 mil à magistrada e ao então namorado dela, Frankraley Gomes.

Ao analisar todos os fatos citados na denúncia do MPF, o magistrado da 5ª Vara Criminal disse que nada foi comprovado contra os réus. Em um dos pontos analisados, o magistrado destacou que “nesse caso específico, entendo ser mais prudente a aplicação da premissa do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu) ao invés de temerariamente acolher uma tese acusatória calcada em ilações infundadas e interpretações além do limite do raciocínio lógico e do nexo de causalidade”. Esse entendimento foi aplicado para a conduta de todos os

Fonte – Jornal Diário do Nordeste