Duplo fator de autenticação no PJe é avanço inegável, mas pode travar a rotina de grandes escritórios
Nova exigência do CNJ reforça a segurança do acesso digital à Justiça, porém desconsidera a realidade operacional de bancas que dependem de gestão centralizada de protocolos
Por Armando Gomes da Rocha*
Desde segunda-feira, dia 3, o Processo Judicial Eletrônico (PJe) passou a exigir duplo fator de autenticação (MFA) para qualquer usuário que acessar o sistema. É uma mudança significativa, que afeta advogados, partes e todos os que utilizam plataformas digitais da Justiça, incluindo o Jus.Br e a Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro (PDPJ). Na prática, não bastará mais digitar login e senha: será obrigatório confirmar a identidade por uma segunda etapa, como token ou aplicativo autenticador.
O movimento atende a uma demanda da OAB e vem em resposta ao aumento de fraudes digitais, em especial o conhecido “golpe do falso advogado”. É difícil contestar o mérito: proteger dados sensíveis e evitar acesso indevido a processos é urgente, ainda mais em um ecossistema jurídico que opera milhares de peticionamentos diários envolvendo informação estratégica. É um passo correto. E tardio.
O ambiente digital da Justiça carrega um paradoxo: lida com os dados mais sensíveis e, durante anos, funcionou com uma lógica de autenticação que muitas plataformas comerciais já abandonaram. No mundo corporativo e financeiro, o duplo fator é o padrão mínimo de segurança. Portanto, o CNJ finalmente coloca o sistema onde ele deveria estar.
No entanto, nem toda mudança necessária é simples. E aqui está o ponto que não pode ser ignorado: a implementação do MFA, do jeito que foi feita, desconsidera a dinâmica real de escritórios de advocacia de médio e grande porte. A advocacia não trabalha com o “um login, um usuário, um acesso por vez”. A rotina é completamente diferente. Bancas com centenas de processos centralizam protocolos e habilitações em um único advogado responsável, por uma questão estratégica e de segurança jurídica. É esse profissional que administra prazos, distribui tarefas e garante que nada seja perdido no caos diário.
Com o MFA, essa centralização pode virar gargalo. Imagine uma equipe inteira esperando que uma única pessoa esteja disponível para autorizar o acesso de cada demanda urgente. Parece produtivo? Claro que não. A medida aumenta a segurança, mas reduz a fluidez operacional. O que deveria proteger a rotina corre o risco de paralisá-la.
O próprio objetivo do sistema eletrônico — agilidade e eficiência — fica ameaçado quando o acesso depende de um dispositivo ou de uma pessoa que pode estar em reunião, em audiência ou simplesmente fora do escritório. Se o sistema digital exige a mesma disponibilidade de um carimbo físico, algo está errado.
O caminho do meio existe — e o CNJ pode construí-lo. Uma solução possível seria permitir perfis de acesso simultâneo dentro de um mesmo escritório, com autenticação multifatorial vinculada ao certificado principal, mas com rastreabilidade individual das ações. Dessa forma, o sistema manteria a segurança sem penalizar a operação.
A tecnologia deveria servir para facilitar o trabalho, não para criar novos obstáculos. O duplo fator de autenticação é um avanço. Mas avanços precisam ser implementados com inteligência, ouvindo os impactos reais em quem vive a prática.
O combate à fraude é essencial, porém não podemos deixar que o mesmo sistema que pretende proteger a advocacia acabe por engessá-la. Se o Judiciário quer ser digital, moderno e eficiente, então é hora de unir segurança com usabilidade — e não escolher um em detrimento do outro. A Justiça não pode ser apenas segura. Ela também precisa ser acessível. E funcional.
Armando Gomes da Rocha é sócio em Direito Trabalhista do Marcelo Tostes Advogados
Fonte – IDEE Informação Corporativa LTDA


