OPINIÃO

Fake news como ameaça à normalidade das eleições

Djalma Pinto*
Um alentado estudo sobre o tema desinformação foi feito pelo proeminente Desembargador Durval Aires Filho, no livro, “As Fake News e outros temas eleitorais”. Além da análise consistente da doutrina produzida por autores nacionais e internacionais, o livro traz importantes informações e reflexões sobre notícias falsas, contribuindo para atenuar a excessiva polarização constatada na sociedade contemporânea. Lembra, por exemplo que, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 5.250/67, que qualificava notícia falsa como crime, o Supremo Tribunal Federal, na ADPF 130, considerou o crime de fake news incompatível com a liberdade de expressão, consagrada no art. 5º, IV, VI e 220 da Constituição.
A fake news como mentira propagada, pela intranquilidade que provoca no meio social, é repelida há séculos. O oitavo Mandamento já a repudiava com muita ênfase: “Não levantar falso testemunho”. Infelizmente, os meios de comunicação em massa, com destaque para a internet, e a falta de assimilação das virtudes da solidariedade e da justiça, em parcela significativa da população, provocaram a maximização dos efeitos deletérios do descumprimento daquele Mandamento da Lei de Deus. Além da reparação pelos danos causados, o responsável por disseminar falsas informações também pode incorrer na prática de crimes, entre os quais, calúnia, difamação e injúria.
A propagação de informações inverídicas ou erradas, no processo eleitoral, por induzir em erro o eleitor, compromete a normalidade da disputa pelo poder político. Uma fake news, que reclama maior atenção da comunidade política e da Justiça Eleitoral, consiste na divulgação de pesquisa, acintosamente errada, na véspera e no dia da eleição.
Sem a ocorrência de um fato inusitado ou bizarro, após a coleta das entrevistas junto aos eleitores, não se justifica a incorreção na pesquisa eleitoral, totalmente fora da margem de erro, ao ser confrontada com o resultado das urnas apurado pela Justiça Eleitoral. É a fake news mais nociva pelo potencial de comprometimento da normalidade das eleições.
Não precisa ser especialista para reconhecer a gravidade da anomalia. No dia do pleito, por exemplo, uma pesquisa com margem de erro de 3% é divulgada, informando que determinado candidato tem 52% das intenções de voto e seu concorrente apenas 30%. A diferença apontada, entre os dois, portanto, é de 22%. Abertas as urnas, após o término da votação, no mesmo dia da sua divulgação, sem ocorrência de qualquer fato extraordinário ocorrido após a coleta das amostras, a diferença entre os dois candidatos é, todavia, de apenas 1%. A pesquisa errada induziu em erro os eleitores. Os indecisos, sabidamente, se “recusam a perder o voto”. Comprometeu, com o seu erro, flagrantemente, a normalidade das eleições, podendo ser qualificada como fake news de maior impacto no certame para investidura no mandato.  Para agravar a situação, nenhuma explicação é fornecida pela entidade, que a realizou, para justificar seu erro monumental.
O professor da Universidade de Nova York, mestre em matemática, Charles Seife, no livro clássico, ”Os Números (não) Mentem – Como a Matemática Pode Ser Usada Para Enganar Você”, explica a desinformação contida em pesquisa errada: “A aleatoriedade é, bem, aleatória, e às vezes um conjunto de eventos peculiar e improvável pode deturpar o resultado de uma pesquisa em mais de 3%. Entretanto, algo tão bizarro só acontece muito raramente, apenas uma em cada vinte pesquisa de opinião desse tipo é afetada por eventos estranhos capazes de deturpar os resultados em mais de 3%. Na maioria das vezes – em dezenove de cada vinte pesquisas de opinião como essa -, a aleatoriedade do universo não provoca alterações superiores a 3% nos resultados”. (p.92)
Pelo combate a essa nociva desinformação, o livro do professor Charles Seife foi qualificado pelo Jornal New York Times como “Apaixonante… Uma lição cívica esclarecedora”.
Por fim, na ADI nº 3741-2, que autorizou a divulgação de pesquisa, inclusive, no dia do pleito, ficou enfatizada a responsabilidade civil dos seus realizadores, com o consequente dever de indenização pelos danos materiais e morais que causarem. Essa responsabilidade, por sua vez, é objetiva por expressa determinação do parágrafo único do art. 927, do Código Civil. Exige esse dispositivo a reparação do prejuízo, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, “risco para os direitos de outrem.”
Não pode haver eleição limpa e transparente, sendo o eleitor engando por pesquisa errada, amplamente divulgada no momento da votação. Lisura e transparência, no processo de alternância do poder político, são garantias para longevidade da democracia.
* Djalma Pinto é advogado, Mestre em Ciência Política e autor de diversos livros, entre os quais Ética na Política, Cidade da Juventude e Distorções do Poder.

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