Eventos

Filomeno Moraes lança obra sobre a Confederação do Equador e o papel do Ceará na Independência

A coletânea destaca a contribuição singular do Ceará para a história constitucional brasileira, revisitando personagens como Bárbara de Alencar e os mártires da Confederação do Equador. Moraes chama atenção ainda para lacunas historiográficas, como a pouca valorização da participação feminina e popular no processo de independência. A obra reafirma o papel do Ceará como protagonista na construção do Estado nacional.

Resenha*

MORAES, Filomeno. A Confederação do Equador no Ceará: constitucionalismo, federalismo e ação política. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2025.

O volume engloba um conjunto de textos sobre a Confederação do Equador no Ceará, focalizada como momento crucial da conjuntura constituinte que vai de 1817, quando se proclamou a República do Crato, até 1824, quando, como reação à dissolução da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, na esteira da Noite da Agonia, ocorreram “grandes e extraordinários acontecimentos”.

A coletânea compõe-se de escritos trazidos à luz entre 2022 e 2024, assim distribuídos: seis artigos publicados no blog Segunda Opinião (www.segundaopiniao.jor.br), duas resenhas de livros na revista Scriptorium e dois ensaios que serviram de textos-base para conferências no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Acresceram-se pequenas biografias dos mártires e heróis e uma cronologia dos principais acontecimentos de 1823-1826, tudo relativo à Confederação do Equador. Foi conservada a estrutura formal dos textos, principalmente as referências bibliográficas, diversas por conta das orientações editoriais diversas, e, a despeito de possíveis repetições, deixaram-se tais textos com a disposição em que foram originalmente apresentados. Uma das resenhas e os dois ensaios estão, até o momento, inéditos.

Ao fim e ao cabo, embora constituídos de textos destinados a publicações e eventos diferentes, encontram razão de estarem reunidos, pois, atinentes todos ao papel do Ceará no processo de desenvolvimento da independência nacional, com os acontecimentos, a atuação dos atores políticos e as nuanças que o cercaram, tudo no sentido de recuperar a contribuição da então Capitania/Província do Ceará-Grande para a história constitucional brasileira.

O pressuposto fundamental é que a participação da Capitania/Província do Ceará se caracteriza por certos graus de autonomia em relação tanto ao processo que acabou por se tornar hegemônico no país quanto no que concerne a outras províncias do Norte e do Sul. Temporalmente, foram sete anos de efervescência constituinte, nascendo com a Revolução de 1817, prosseguindo com a participação nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa e na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, e culminando com a Confederação do Equador, que foi principalmente uma insurreição constitucionalista.

Na verdade, o Ceará constituiu uma peça do mosaico da construção da independência, do Estado nacional e da nação brasileiros. Por outra parte, é lícito advertir sobre a insuficiência nos estudos cearenses de um conjunto de problemas, como a participação das mulheres e de índios, negros e pobres no processo histórico provincial. Depois, há uma carência enorme de estudos biográficos sobre personagens-chave na conjuntura 1817-1824, como Bárbara de Alencar e os seus filhos Tristão Gonçalves e José Martiniano de Alencar, o governador Sampaio e Pereira Filgueiras, o ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho e o padre Mororó.
Em boa medida, a historiografia cearense foi caracterizada pela misoginia, pela desconsideração da mulher como ator político relevante. Como exemplo mais gritante, tome-se o da Bárbara de Alencar. Por todos, veja-se que um conspícuo pesquisador, portador de uma obra historiográfica de expressão, chega a insinuar com base em “fontes fidedignas” (sic), que Bárbara “preparou, simplesmente, como boa mãe-de-família, ‘o banquete da vitória’ [da República do Crato], na realidade repasto caseiro ‘melhorado’, que fez servir a Filgueiras e seus acompanhantes”. E sobre a qual, acrescenta que “consta pesar sobre ela a culpa de delitos de muito pouca importância”. Que coisa! Delitos que não impediram que Bárbara ficasse presa, no Ceará e na Bahia, de 1817 a   1820.

De todo modo, a conjuntura constituinte de 1817 a 1824, revelou os anseios da formação de uma ordem político-jurídica que fugisse aos prospectos do pacto colonial, com a busca alternativa de uma ordem político-jurídica diferente. Disseminava-se, pois, certa vontade de constituição, a que, observadas as suas limitação de ordem social, econômica e política, o Ceará não apenas não esteve alheio, mas proporcionou alguma contribuição efetiva.

Filomeno Moraes

Doutor em Direito (USP). Livre-docente em Ciência Política (UECE). Estágio pós-doutoral na Universidade de Valência (Espanha). Mestre em Ciência Política (IUPERJ). Bacharel em Direito (UFC). É autor, entre outros, dos livros A “outra” Independência a partir do Ceará: apontamentos para a história do nascente constitucionalismo brasileiro (2022), Estado, constituição e instituições políticas: aproximações a propósito da reforma política brasileira (2021) e Constituição econômica brasileira: história e política (2011). Sócio efetivo do Instituto do Ceará. Professor aposentado da UECE. Professor do PPGDireito/UFMA.