O Instituto Advogados do Ceará e o uso de verbas públicas – Adv.e Prof. Adriano Pinto
No comentário publicado na sua página do facebook, o professor e advogado Adriano fala sobre o uso de verbas públicas ´por entidades privadas.
1.- Fui questionado sobre a possibilidade do nosso INSTITUTO DOS ADVOGADOS DO CEARÁ – IAC, ser destinatário de verbas públicas, considerada a sua maior expressão de um desempenho cultural com a força de trabalho de associados que são titulados com a formação jurídica em grau superior, os chamados operadores do Direito.
Antecipo minha opinião contra o recebimento de verbas públicas pelo nosso IAC, que eventualmente supridora de sua capacidade financeira, sempre precária, pela inadimplência da contribuição voluntária prevista, implicaria em necessidade de transformações inconciliáveis com sua formação e destinação histórica.
Como sabido, as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, são aquelas previstas no Código Civil, como sociedades civis, religiosas, científicas, literárias e até mesmo as fundações (art. 16, I).
Hoje essas pessoas jurídicas constituem as chamadas entidades do Terceiro Setor e podem usufruir os auxílios e subvenções transferidas pelo Poder Público.
A Lei nº 4.320/1964, pela qual são veiculadas as normas gerais de Direito Financeiro, traz no parágrafo 3º do artigo 12 que subvenções são “as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas”.
Diante da ordem legal existente, compreende-se como SOCIAIS, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio de instituições privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, quando a transferência deriva de previsão constante na lei orçamentária.
O que caracteriza qualquer transferência é a ausência de contraprestação direta em bens e serviços, na dicção do parágrafo 2º do artigo 12 da Lei nº 4.320/1964
Em sentido abrangente, o legislador vedou que as subvenções fossem utilizadas para aquisições da Administração, de bens ou serviços, burlando a imposição de licitação para tanto.
Por outro lado, se pretende que as subvenções sirvam para o patrocínio de atividades que tenham relevância social, sendo que os interesses dos partícipes não são contrapostos, como na relação contratual, mas sim recíprocos, convergentes para um determinado fim social.
Como bem distinguiu MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO[Parcerias na administração pública. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 232.], sobre as relações entre Estado e terceiro setor, não se trata de “delegação de serviços públicos”, mas sim de “fomento”, em que o “Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade”.
Cumpre assinalar também o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000:
“Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais”.
Tal requisito não é exigido para a celebração de parcerias voluntárias tratadas pela Lei nº 13.019/2014, vez que elas se incluem na esfera de discricionariedade do Poder Executivo, que as firmará de acordo com as suas diretrizes de desenvolvimento de políticas públicas.
Subvenção, segundo esse sistema jurídico, consiste em uma transferência de recursos públicos para custeio de uma entidade, que pode ter natureza social ou econômica.
As subvenções sociais destinam-se fundamentalmente à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica, educacional ou cultural por instituições sem fins lucrativos.
As subvenções econômicas destinam-se a suprir necessidades de entidades com fins lucrativos e, por isso, diferentemente das subvenções sociais, exigem autorização por lei específica (art. 19 da Lei 4320/64 c/c art. 26 da LRF).
Têm eminente função de controle/fomento econômico (fomento às empresas estatais ou intervenção direta na economia).
As subvenções destinadas a entes alheios ao corpo estatal devem ser instrumento de atuação subsidiária à ação estatal, mediante análise de economicidade.
As instituições beneficiárias devem exercer atividades de natureza continuada e prestar atendimento direto ao público – elementos ínsitos ao conceito de subvenção.
As subvenções deverão ser consubstanciadas em convênios ou instrumentos congêneres, que serão objeto de apreciação pelos setores técnico e jurídico do órgão/entidade concedente e deverão ter seus extratos publicados em meio de amplo acesso ao público (princípios da formalidade e publicidade).
Embora não submetidas à reserva de lei formal, as subvenções deverão ser objeto de regulação, pelo Poder respectivo, através de norma geral e abstrata.
O entendimento de que o art. 26 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) só se aplica às subvenções econômicas é o mais adequado, tendo em vista o conceito nele expresso, que coincide com o conceito de subvenção econômica (“destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas”).
Outra razão para a interpretação do art. 26 da LRF nos termos acima é a configuração das subvenções sociais como instrumentos de execução de políticas públicas, afetas ao Poder Executivo (princípio da especialidade dos Poderes e da juridicidade).
2.- A transferências de recursos financeiros a entidades privadas sem fins lucrativos pelo Estado, esta condicionada a especificidades de sua legislação, em especial quanto a classificação orçamentária da despesa.
Conforme regras gerais existentes e com aplicação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, importa saber:
a) Pessoa jurídica de direto privado sem fins lucrativos são constituídas sob a forma de associação ou fundação, que não distribui excedentes operacionais, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, mas os aplica integralmente na consecução do respectivo objetivo social;
b) Existem, regimes legais para formar-se parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco;
c) O instrumento a ser utilizado na contratualização dependerá da qualificação da entidade, do tipo, da forma e do objeto de ajuste a ser feito, dentre eles, destacam-se: Contrato de Gestão, Termo de Parceria, Convênio, Termo de Colaboração, Termo de Fomento e demais instrumentos congêneres.
A designação “transferência”, nos termos do art. 12 da Lei nº 4.320/1964, corresponde à entrega de recursos financeiros a outro ente da Federação, a consórcios públicos ou a entidades privadas, com e sem fins lucrativos, que não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços ao transferidor.
Colocar o nosso IAC em contexto estrutural que lhe permita ser destinatário de transferências de recursos públicos levaria a construção de um espaço de domínio da política que, não oferece à sociedade desempenho desejável para a cidadania, no contexto de mandos partidários e governamentais formadores dos mais variados desvios de seus destinos democráticos.
3.- As várias formas de entidades privadas sem fins lucrativos que podem ser beneficiadas com verbas pública, para a realização de seus objetivos estatutários, que devem ser necessariamente de interesse da comunidade, já não tem que obter o antigo TÍTULO DE UTILIDADE PÚBLICA.
A concessão do título de Utilidade Pública Federal foi instituída pela Lei n° 91, de 28/08/1935, regulamentada pelo Decreto Federal n° 50.517, de 02/05/1961.
Todavia a LF nº 13.204/1527 que alterou a LF nº 13.019/14, revogou a LF nº 91 de 28/08/1935, estendendo a todas as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos os benefícios previstos em lei, independentemente da exigência de cumprir requisitos formais e burocráticos para certificação e titulação de Utilidade Pública Federal.
Ainda assim, existente repasse financeiro, tem-se a sujeição da entidade privada à fiscalização dos tribunais de contas, conforme sejam os recursos públicos federais, estaduais ou municipais.
Não vem ao caso, saber que, na prática, falta o exercício de um maior controle sobre as entidades privadas que recebem verbas orçamentárias para a consecução de suas finalidades assistenciais, assim como a exposição de transparência e comunicação à sociedade dos desempenhos produzidos.
Ainda, porem, que se tenha no Ceará legislação autorizativa de repasse financeiro de verbas publicas para entidade com objetivo cultural, haverá a necessidade de serem alteradas as estruturas jurídicas do nosso INSTITUTO DOS ADVOGADO DO CEARÁ, abrindo espaço para interferências politicas e dependência de interesses externos, tudo a compor situações inconciliáveis com sua formação e destinação histórica.
Em conclusão, tenho como prejudicial à tradição e destinação do nosso IAC, sua reforma estatutária para adaptar-se a qualquer das tipicidades pelas quais a entidades sem fins lucrativos podem ser destinatária de repasses de verbas públicas.