Comentários

Autonomia universitária – Limitações legais – Recebimento de doação de imóvel – Professor e Advogado Adriano Pinto

1.- A proclamação da Autonomia Universitária está no art. 207 da Constituição Federal, que diz:
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)

Assim, a Carta Magna conferiu, às universidades, autonomia para a definição dos seus conteúdos programáticos (autonomia didático-científica), administrativa/de gestão financeira e patrimonial (gestão de recursos humanos, bens móveis e imóveis, aplicação do seu orçamento, etc.).

PINTO FERREIRA ( Comentários à Constituição Brasileira, 7° vol., Ed. Saraiva, São Paulo, 1995, p. 207. ) define a autonomia universitária, dizendo:
(…) autonomia da universidade é assim o poder que possui esta entidade de estabelecer normas e regulamentos que são o ordenamento vital da própria instituição, dentro da esfera da competência atribuída pelo Estado, e que este repute como lícitos e jurídicos. A autonomia pode ser exercida em diversas esferas: no plano político, com o direito de as universidades e faculdades elegerem a sua lista sêxtupla de reitores ou diretores; no plano administrativo, dentro dos limites do seu peculiar interesse; no plano financeiro, com as suas verbas e o seu patrimônio próprio; no plano didático, estabelecendo os seus currículos; no plano disciplinar, a fim de manter a estrutura da sua ordem. A autonomia pode ser plena ou limitada, segundo a sua extensão, e será exercida tanto pela universidade como pelas unidades que a integram (faculdades, escolas e institutos)”. (…).
A autonomia plena não significa o poder de tudo fazer, mas ela mesma está condicionada pelos limites com que a legislação a enclausurou, estabelecendo competências privativas e exclusivas tanto para a universidade como para as suas unidades integrantes. Cada uma delas tem autonomia no campo de suas atividades especificas e exclusivas, competências que não deverão e não poderão ser anuladas pelo poder central da universidade. Tudo se resume, pois, em uma questão de competências, de atribuição e exercício de competência (…).

Nessa linha de doutrina, temos que as universidades detêm a plenitude do controle de toda a sua atividade (meio ou fim), como forma de preservar sua autonomia perante o ente estatal à qual está ligada (Município, Estado ou União).

No âmbito federal, predomina a criação de universidade sob a forma de autarquia, que, por decorrência da proclamação constitucional está submetida ao regramento que não extrapole do sentido e alcance do Art. Art. 207 da CF/88.

Contudo, falta à boa ordem institucional estabelecida para a universidade federal uma lei complementar específica contemplando suas imensas variedades e complexidades, seguindo-se, então a incidência de leis que não foram produzidas sob tais perspectivas, gerando, dificuldades operacionais de toda ordem.

Tem-se como indicações exemplares suficientes, a contratação de pessoal para os seus quadros, quando estará submetido aos ditames da Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Federais). Da mesma forma, quando precisar realizar obras, compras ou contratação de serviços, estará subordinada à Lei n° 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos), à Lei n° 10.520/2002 (Lei do Pregão), dentre outras.

2.- Questão importante, surge com a gestão patrimonial da universidade federal, quando se tem os regramentos trazidos pela Lei n° 6.120/1974 que, no geral, são compatíveis com o Princípio da Autonomia Universitária, pois visa regulamentar o exercício da autonomia ao gerir seu patrimônio imobiliário.

A universidade é autônoma nas suas atividades fim e meio, mas enfrenta a limitação legal que todo ente público sofre no tocante ao regramento da atividade pública.

E não há incompatibilidade entre sua autonomia e as limitações legais que lhes são inerentes, conforme o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) firmado no acórdão proferido na Medida Cautelar na ADI n. 1.599, Relator o Ministro MAURÍCIO CORREA, DJ 18.05.2001:
“O princípio da autonomia das universidades (CF, art. 207) não é irrestrito, mesmo porque não cuida de soberania ou independência, de forma que as universidades devem ser submetidas a diversas outras normas gerais previstas na Constituição, como as que regem o orçamento (art. 165, § 5º, I), a despesa com pessoal (art. 169), a submissão dos seus servidores ao regime jurídico único (art. 39), bem como às que tratam do controle e da fiscalização.”

3.- Fez-se realidade operacional determinante da edição da Lei 8.958/1994, a instituição de FUNDAÇÕES para dar apoio às atividades universitárias federais, as quais, usualmente são contratadas com dispensa de licitação para a execução de projetos acadêmicos objeto de descentralização de recursos financeiros ministeriais.

Rigorosamente, não obstante a denominação ‘CONTRATO’, os ajustes relativos à execução desses projetos são caracterizadamente CONVÊNIOS.

Nesse sentido, o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO já firmou a posição que a contratação das fundações de apoio prevista na Lei 8.958/1994 não deve ser entendida em sentido estrito.

Na Decisão TCU nº 321/2000 – Plenário, o ministro-relator, VALMIR CAMPELO, afirmou que quando se trata de ajuste que envolve duas entidades sem fins lucrativos, seria mais apropriado o instrumento de convênio, cuja natureza jurídica pressupõe, dentre outros, os interesses comuns dos partícipes, a prática do repasse antecipado dos recursos, a não-necessidade de estabelecimento de um preço certo. No caso de os recursos advirem do Orçamento da União, também devem ser observadas as normas que disciplinam a celebração de convênios, quanto à obrigatoriedade de utilização de instituições financeiras oficiais e quanto à forma de aplicação dos recursos.

O regime legal estabelecido para as relações administrativas entre a instituição universitária federal e uma instituição de apoio abrigada na Lei 8.958/1994, impõe mecanismos efetivos de fiscalização dos projetos desenvolvidos com a participação dessa fundação de apoio, independentemente da fonte dos recursos, de modo a permitir o pleno conhecimento da totalidade dos projetos, a comprovação da fiel execução dos objetos dos convênios, contratos ou ajustes e sua correta execução financeira, viabilizando o acompanhamento e o exercício da fiscalização, também por parte dos controles interno e externo.

Uma visão institucional da complexidade nesse relacionamento administrativo, ofereceu o Tribunal de Contas da União (TCU), após o impacto dos eventos que envolveram a Universidade de Brasília e sua fundação de apoio (FINATEC), com Acórdão nº 2.731/2008-Plenário, que de forma profunda analisou as principais irregularidades detectadas em várias instituições federais de ensino superior e elencou uma série de determinações e sugestões que se projetam para o presente.

4.- Quando uma fundação de apoio se apresenta para fazer doação de imóvel à instituição universitária federal, impõe-se que:
a) ofereça proposta com a indicação da fonte de recursos que viabilizaram a aquisição do imóvel a ser objeto de doação ( CF/88, art.167, I);
b) a minuta de instrumento de doação seja previamente submetida à exame da Procuradoria Federal que atua junto à instituição universitária(Lei 8.666/93, art.38, Parágrafo único);
c) seja indicada a existência de recursos orçamentários para suporte de despesas decorrentes da titularidade do imóvel a ser recebido em doação (CF/88, art.167, II).

5.- Também a Lei nº 10.480/2002 determina que a Procuradoria Geral Federal prestará assistência jurídica no controle da legalidade dos atos administrativos (art. 11, inc. V) e examinará, prévia e conclusivamente, os contratos a serem celebrados (art. 11, inc. VI).

Conquanto o parecer jurídico não seja vinculante, sua antecedência à formalização do ajuste administrativo constitui requisito de validade, pelo que, se impõe a existência de uma antecedente MINUTA, a dizer um documento ainda sem formalização por assinaturas.

Poderá, existir, todavia, um documento preliminar, um PROTOCOLO ADMINISTRATIVO do qual conste as tratativas feitas para operar-se a doação que, ou será formatada em instrumento particular, caso o imóvel tenha valor inferior a trinta salários mínimos, ou por escritura pública, quando de maior valor (Art. 108, C. Civil).

O recebimento de doação, impõe, também, considerar que a Constituição Federal, no art. 37, caput, estabelece que a administração pública direta e indireta obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

De igual modo, no art. 70, caput, da CF/88 vem expresso que “A
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta” deve observar a “legalidade, legitimidade, e ECONOMICIDADE”, dentre outros.

Tais princípios expressos insertos no Texto Constitucional, impedem que se faça o recebimento de doação, sem considerar a existência do CUSTO/BENEFICIO, que se projeta para a manutenção e destinação do bem, mesmo que se trate de doação SEM ENCARGO.

Não se pode pressupor que o INTERESSE PÚBLICO se faça única e exclusivamente pela agregação de mais uma unidade ao patrimônio imobiliário, ainda que se projete a utilização imediata do bem imóvel.

Essa função instrumental há de ser avaliada em contexto identificável e incidente, em uma dada situação.

Mostra-se absurdo ignorar a multiplicidade de interesses que devem ser ajustados com predominância, no caso, para a capacidade financeira disponível e a existência de orçamento para dar sustentação aos custos que serão provocados pela propriedade e uso do imóvel oferecido à doação.

Professor aposentado da Faculdade de Direito/UFC
Membro do Instituto dos Advogados do Ceará desde 23.09.1988
Sócio fundador do Instituto Cearense de Estudos Tributários 
Ex-conselheiro federal e estadual da OAB