Comentários

OAB-Processo disciplinar por captação de causa

Em seu comentário de hoje, o adv. E prof. Adriano Pino trata sobre o caso ocorrido no interior cearense, segundo as denuncias um advogado estaria utilizava sua mulher como “laçadora” de clientes, situação que configura infração disciplinar.

Leia o comentário:

1.- Veio à minha relatoria, representação instaurada de ofício, por autoridade da OAB, anunciando o conhecimento e reclamação geral existente nos meios forenses de certa comarca do interior, de que um advogado utilizava sua mulher como “laçadora” de clientes, situação que configura infração disciplinar tipificadas no Art.34 da Lei 8.906/94, em seu inciso IV, ou seja, captar causas.

No despacho de instauração, o Presidente do TED mandou intimar o Representado para a defesa prévia instruída com documentos que lhe sejam pertinentes e oferecer rol de testemunhas.

Sobreveio a defesa do Representado formulada através de advogado, sem oferta de documentos e sem rol de testemunhas,  arguindo:

a) Ser carente de pressuposto de admissibilidade a representação porque contem indicação de fatos, sem comprovação, baseada, apenas, em relatos de advogados feitos à presidência daquela subsecção;

b) Faltar, no caso, indicação de situações concretas, indicação de testemunhas, propícias à comprovação da denuncia;

c) Não existir no fato de ter sido apresentado, no mesmo dia, 70(setenta) ações indenizatórias no Juizado Especial Cível, como o mesmo fundamento, causa suficiente para a representação;

d) Cuidar-se, no caso, de ações repetitivas para as quais recebe a documentação do cliente que, acumulada, vai levada à propositura no mesmo dia;

e) Inexistir designação das pessoas ditas aliciadas, assim como descrição de quando e como aconteceu esse aliciamento, fato que impede o exercício do pleno direito de defesa;

f) Extrair-se de três julgados de Tribunais de Ética da OAB/PI, OAB/RJ e OAB-BA, com ementas transcritas, apoio à sua tese de inadmissibilidade da representação;

g) Protesto por provas em direito admitidas no curso da instrução.

Não consta da defesa, qualquer referência à mulher do Representado, dada na denuncia como “laçadora” de clientes.

2.- Considero que à vista do Despacho do Presidente do TED,determinando que intimação para que a defesa prévia fosse apresentada instruída como eventual juntada de documento e rol de testemunhas, circunscreveu o momento e amplitude da instrução, e, como remanesceu sem recurso, fez-se precluso o protesto por instrução complementar.

De resto, como sabido, o protesto por provas admitidas em direito não firma a oportunidade de instrução complementar  que há de ser especifica mente requerida.

A prévia delimitação do momento e amplitude da instrução opera atendimento à imposição constitucional da maior celeridade possível do processo e, intimado o advogado dessa delimitação, tem-se incólume o direito de defesa.

Nesse contexto, entendo superada qualquer necessidade de postergação da instrução processual.

3.- Ao contrário do que afirma a defesa não se tem falta pressuposto de admissibilidade a representação contendo a indicação de fatos, baseada, apenas, em relatos de advogados feitos à presidência daquela subsecção.

Na verdade, a falta de negativa da defesa da existência de tais relatos, faz pressupor que eles existem, são correntes, e, mais do que isto, operam a repercussão negativa à imagem pública do advogado, da advocacia, e da própria OAB, fato que, como sabido, também autoriza a suspensão cautelar do exercício profissional, conforme o Art.73,§3º, da Lei.

Andou bem, pois, a autoridade da OAB, quando formalizou a representação em face de repercussão negativa nos meios forenses onde atua, tendo a denuncia o mérito de permitir que se faça o controle social devido da conduta do advogado.

Diga-se de passagem, que esse controle é tão importante, que a lei autoriza não apenas o TED, mas, também, ao Presidente da Seccional da OAB, em decisão isolada, pode determinar providencias que considerar aptas à defesa da imagem pública da advocacia, e da própria Corporação,  como consta do Art.67 do EAOAB, verbis:

Art. 67. Compete ao Presidente:

IV – tomar medidas urgentes em defesa da classe ou da Ordem, ‘ad

referendum’ do Conselho;

A defesa da imagem pública da advocacia, a reação corporativa contra
condutas inadequadas do advogado, a preservação dos valores éticos que
devem pautar o exercício profissional, compõem o sentido e alcance
dessa norma legal.

A divulgação dessa conduta em comentários no meio forense, levados a
conhecimento da OAB, impõe a sua atuação, ainda quando, colegas do
representado se furtem a formalizarem denuncias.

A denuncia nesse caso, materializa uma “repercussão negativa” para a
imagem pública da advocacia e da própria OAB, que não pode ser
afastada por defesa de mera retórica discursiva, sem qualquer esforço
instrutório para desconstituir a imputação.

Sendo corrente a informação da captação de clientela, apontados
indícios contra os quais a defesa nada contrapôs em instrução
processual possível, opera-se à luz do ambiente profissional, como
identificador de um universo social capaz de fomentar descrédito para
a imagem da advocacia, ou da própria OAB, considerado o seu dever
institucional de atuar para evitar e reprimir condutas profissionais
indesejáveis.

Faz-se imperioso lembrar que inexistem comando legais que se
apresentam positivados em sua delimitação completa.

Ou seja, apresentem-se perfeitos e acabados, definidos, a significar
com as fronteiras limítrofes do que são e do que não são.

Todos os conceitos legais revelam um núcleo  e, este deve determinar o
seu sentido e alcance.

Ora, não se fazendo esse domínio do núcleo conceitual conforme sua
inserção institucional, não se poderá superar, inquietações para o
entendimento do que seja, por exemplo,“captação de clientela”
,“conduta irrepreensível”, “conduta incompatível”, porque, à rigor,
isoladamente, estes conceitos são indeterminados.

Recusar a possibilidade de utilização do conceito para alcançar o fim
social, o escopo institucional, em função do qual ele veio a ser
inserido na norma legal, seria convertê-los em algo despropositado,
seria o mesmo que manifestamente não aplicar a norma os tenha
incorporado.

Ou seja, diante de qualquer conceito jurídico indeterminado, tem-se,
sua sempre relativa indeterminação, para ser solucionada em face do
seu núcleo institucional.

Na medida em que a relação cliente/advogado há de ser estabelecida
pela INICIATIVA do cliente, e não se legitima o uso de pessoa para
induzi-lo à contratação, basta que se tenha nos autos uma situação
reveladora dessa conduta inaceitável do advogado, para existir uma
captação de causa e repercussão negativa em desfavor da advocacia.

4.- Ao contrário do que se diz na defesa, não cabe à OAB ou a qualquer
de seus representantes legais, fazer indicação de testemunhas,
propícias à comprovação da denuncia.

Cabe, contudo, à OAB considerar porque a defesa não ofereceu rol de
testemunhas, e, também, sequer apresentou alguma explicação quanto a
atividade da esposa do Representado com respeito às questionadas
causas.

É razoável entender que, a defesa não apresentou rol de testemunhas,
porque elas poderiam confirmar a existência da atuação da mulher do
representado como “laçadora” de cliente.

Certamente, poderia a defesa trazer para testemunhar algum dos
clientes dessas setenta ações propostas no mesmo dia, para que
informassem de que modo foram à presença do advogado para obter o
patrocínio da causa.

O mesmo se diga da ausência de qualquer explicação a respeito da
atuação da mulher do Representado e, mais ainda, dela não ter sido
arrolada como testemunha da defesa.

5.- Não procede a afirmativa da defesa de que o fato de ter sido
apresentado, no mesmo dia, 70(setenta) ações indenizatórias em Juizado
Especial Cível, como o mesmo fundamento, não seja causa suficiente
para a representação;

Ninguém nos meios forenses e, muito menos a OAB, pode ignorar que,
infelizmente, nas chamadas demandas de massa, é comum a atuação de
pessoas e/ou entidades que atraem clientes e os direcionam para
determinado advogado ou escritório de advocacia.

No contexto dessa sinistra realidade conhecida, impõe-se que a OAB
considere indícios da ocorrência dessa captação de causas que lhe vai
denunciada informalmente, dentre os quais, avulta em importância, a
propositura de 70(setenta) ações, em uma mesma ocasião.

Sendo certo de que indicio não é prova, ele, contudo, em sede
disciplinar, informado ao advogado, impõe-lhe o ônus de
desconstituí-lo, o que no caso concreto, poderia ter sido feito, como
já foi dito:

a) Pela indicação dos nomes do clientes e o chamamento de alguns deles
para testemunhar;

b) Pelo chamamento da mulher do representado para testemunhar, já que
ela foi apontada como sendo “laçadora”.

Desavisadamente, poder-se-ia, arguir caber à própria OAB produzir
essa prova testemunhal mas, a tal entendimento se contrapõe o fato de
caber, sempre ao Representado o ônus de desconstituir a denuncia, a
imputação, já que a OAB não tem poder constritivo sobre quem não seja
inscrito em seus quadros, e, também não pode ser colocada à serviço na
função de instrumentador dos interesses meramente individuais do
advogado.

6.- Revela-se maliciosa, emulativa, a afirmação do Representado de
inexistir designação das pessoas ditas aliciadas, assim como descrição
de quando e como aconteceu esse aliciamento, fato que impediria o
exercício do pleno direito de defesa.

Isto porque, em face de constar da representação que ele, ajuizou em
um único dia, setenta ações com o mesmo fundamento, impunha-se, como
defesa de boa-fé:

a) Nominar quem foram os clientes patrocinados nessas ações;

b) Quando e como tais clientes vieram em busca de seu patrocínio;

c) Se houve ou não participação de sua mulher no trato inicial dos
patrocínios judiciais assumidos para tais causas.

7.- Não serve à defesa as ementas dos três julgados de Tribunais de
Ética da OAB/PI, OAB/RJ e OAB-BA, transcritas e invocadas em apoio à
sua tese de inadmissibilidade da representação.

8.- A ementa da OAB/PI, tem redação imprecisa que pode levar à uma
compreensão inadequada do sentido e alcance do Art.51,§2 º do CE,
quando diz padecer de pressuposto de admissibilidade a representação
“sem prova material para configurar fato antiético”.

A representação é mera notícia de conduta profissional que tenha
tipificação infracional, e, por isto, não tem admissibilidade sujeita
à prova pré-constituída dessa conduta.

Assim, por exemplo, no caso concreto, não se faz necessário que a
representação esteja fundada em documento que prove a utilização de
uma pessoa como “laçadora de causa”, porque o fato anunciado,
configura tipicidade infracional.

Por outras palavras, como utilizar interposta pessoa para angariar
causa, aproximar cliente, constitui infração disciplinar, a denuncia
tem, irrecusável pressuposto de admissibilidade.

9.- A ementa do julgado da OAB/RJ versa situação em que a denuncia não
aponta um fato concreto de forma clara, a significar que não permite a
compreensão da hipótese geradora da inflação disciplinar, e, portanto,
não oferece parâmetro para a presente Representação.

10.- A ementa do julgado da OAB/BA cuida de responsabilidade civil do
advogado e da ausência de comprovação de danos, relacionando-se com a
improcedência da Representação e não com sua admissibilidade.

11.- Por certo, não está o advogado proibido de obter apoio
operacional de sua atividade mediante a utilização de terceiro,
inclusive, de sua mulher, mas não podem tais pessoas atuarem na busca
de clientes, na indução de patrocínio, sendo este o fato-básico da
denuncia, o qual, se tipifica como “captação de causas” e, tanto o
conteúdo discursivo como a conduta da própria defesa do Representado,
acima indicada, milita em seu desfavor.

No contexto desta representação, tem-se materialidades e indícios que
revelam a captação de causas, e, nesta, ainda o rastro da repercussão
negativa na comunidade forense onde atua o advogao.

De todo modo, considerando a expressão de menor grau dessa repercussão
negativa dada pela autoridade denunciante, até porque, toda e qualquer
forma de captação de clientela gera tal consequência, tem-se por mais
adequado às circunstâncias considerar, apenas, a captação de causas,
que é conduta censurável.

Dispõe o artigo 7º do Código de Ética da OAB, ser vedado o
oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou
indiretamente, inculcação ou captação de clientela, e o artigo 34, IV,
da Lei 8.906/04, define como infração disciplinar angariar ou captar
causas, com ou sem a intervenção de terceiros.

12.- A censura é aplicável nos seguintes casos: infrações definidas
nos incisos I a XVI e XXIX do artigo 34 do Estatuto; violação de
preceito do CED; inobservância de preceito do Estatuto, quando não for
estatuída sanção mais grave.

A censura é pena disciplinar compreendida na repreensão oficial da
conduta do advogado em situações infracionais de menor potencial
ofensivo.

O parágrafo único do art. 36 da lei estatutária dispõe que a pena de
censura poderá ser convertida em mera advertência, em ofício
reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, desde que
presente circunstância atenuante.

São circunstâncias atenuantes as previstas no art. 40, as quais
entendo não serem taxativas mas, exemplificativa, a permitir o juízo
de valor quanto à sua aplicação.

O Estatuto, em seu art. 40, estabelece determinadas circunstâncias
atenuantes: falta cometida em defesa de prerrogativa constitucional;
ausência de punição disciplinar anterior; exercício assíduo e
proficiente de cargo na OAB; prestação de serviços relevantes à
advocacia ou à causa pública.

Da  leitura do dispositivo em comento verifica-se que não são em
números fechados os casos que podem constituir atenuantes, em virtude
da locução entre outras inserida no artigo (“na aplicação se sanções
disciplinares são consideradas, para fins de atenuação, as seguintes
circunstâncias, entre outras (…)”.

Neste caso, porem, tem-se a acumulação de condutas que impedem a
conversão da censura em advertência reservada, especialmente, quando a
defesa, ao invés de admitir a situação existente, busca quebrar a
vigilância do julgador com arguições de mera sonoridade, e evitando a
nominação dos clientes referentes às 70 ações propostas no mesmo dia,
sonegando explicações quanto à participação de sua mulher nesse
episódio, assim como deixando de arrolar clientes e colaboradora como
testemunhas.

13.- Em conclusão, pode ser resumido que:

• A representação é mera notícia de conduta profissional que tenha
tipificação infracional, e, por isto, não tem admissibilidade sujeita
à prova pré-constituída dessa conduta.

• A prévia delimitação do momento e amplitude da instrução opera
atendimento à imposição constitucional da maior celeridade possível do
processo e, intimado o advogado dela, tem-se incólume o direito de
defesa e superada necessidade de postergação da instrução processual.

• Denuncia de que o advogado utiliza sua mulher como “laçadora” para
captar causas, impõe, no mínimo, a demonstração do tipo de atividade
que ela desenvolve, especialmente em relação a ajuda que preste ao
exercício da advocacia, já que cumpre ao representado desconstituir a
imputação sofrida.

• Negativa de que setenta ações propostas no mesmo dia, com o mesmo
fundamento, não resulta de captação de clientes, perde efeito, quando
o advogado não traz qualquer deles para explicar como se operou a
aproximação para o patrocínio judicial.

• Confessada a autuação em advocacia de massa, impõe-se ao advogado
comprovar que houve a procura espontânea do cliente agrupado a outros
para efeito da providencia judicial, o que é possível fazer com o
simples registro seu comparecimento ao escritório.

• A defesa fundada em meras alegações técnicas, comuns ao processo
judicial, não se presta para afastar a denuncia de captação de
clientela, sem o que, estaria frustrado o controle social sobre o
padrão ético do desempenho do advogado que se impõe à OAB realizar,
especialmente quando existe no meio forense repercussão negativa dessa
conduta.

• Conquanto a captação de causa, por difusão no meio profissional,
gere repercussão negativa para a imagem pública da advocacia, o menor
grau implícito na denuncia, autoriza segregar o tipo infracional para
a conduta sujeita à pena de censura.