Por dentro das penas alternativas: Um caminho de reintegração e esperança
Por – Josielle Falcão (estagiária de Jornalismo do TJCE)
No mundo onde a Justiça frequentemente é sinônimo de punição severa e encarceramento, uma luz ilumina um caminho menos trilhado, mas que tem demonstrado ser eficaz: as penas alternativas. Essas medidas, que substituem a prisão por ações de caráter social e educativo, estão transformando vidas, comunidades e a própria percepção sobre o que significa Justiça.
A restrição de direitos é uma medida alternativa ao acusado que é condenado a uma pena privativa de liberdade não superior a quatro anos por crime não violento ou por crime culposo, quando não há intenção de praticar. Nesses casos, os juízes trocam a prisão por medidas que impõem outras tarefas ao condenado, como a limitação de fim de semana, quando o condenado não pode sair de casa aos sábados e domingos, o pagamento de um valor em dinheiro para a vítima ou para uma instituição com fim social, e a prestação de serviços à comunidade.
Imagine Arnaldo*, um jovem de 20 anos, envolvido em um incidente de homicídio culposo, ou seja, de forma não intencional, ao dirigir. Em vez de ficar preso em uma cela, onde a probabilidade de reincidência é alta e as oportunidades de reabilitação são escassas, ele teve a pena convertida em 1.530 horas de serviços comunitários, além de prestação pecuniária. Arnaldo foi remanejado para a Igreja Batista Central de Fortaleza (IBC), onde ajudou com a programação e algumas atividades, como retiros espirituais.
“No primeiro dia senti uma diferença enorme do que eu imaginava que seria, porque eu tinha um preconceito com a igreja e, quando eu cheguei lá, fui muito bem acolhido. Lembro como se fosse hoje, que o supervisor me deu um abraço e falou: ‘Seja bem-vindo, meu irmão. A sua pena é a nossa pena e vamos pagar junto. Se Deus quiser, vai dar tudo certo’. Parece que saiu uma tonelada das minhas costas quando ele me recebeu dessa forma”, contou Arnaldo.
Na época, por conta do cumprimento da pena, ele conseguiu parar de beber. “Foi muito bom para o meu processo, porque eu tinha um problema com álcool e parei. Isso me ajudou muito. Lá eles trabalham também a questão espiritual e você tem voz, as pessoas te escutam e te ajudam no teu caminhar, na tua evolução”.
O caso de Arnaldo ocorreu em 2007 e a experiência com a pena alternativa não só o afastou do caminho do crime, como também proporcionou um impacto positivo na vida dele. “Minha família me olha com gratidão pela minha mudança. Na semana passada, meu filho mais velho, que hoje tem 18 anos, me disse que é muito grato a Deus por tudo que aconteceu comigo. Ele está muito feliz com a minha transformação e pela pessoa que eu me tornei hoje. E é isso, procuro sempre andar na linha, fazer o melhor, apesar das dificuldades que a gente passa”.
ACOMPANHAMENTO
A Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (VEPMA) da Comarca de Fortaleza é responsável por acompanhar as pessoas em cumprimento de alternativas penais. O trabalho envolve ações de cunho socioeducativo, como Grupos Reflexivos, para aqueles que cumprem medida alternativa, a exemplo de homens acusados de violência doméstica; e Círculos de Paz, para cumpridores de penas relacionadas a crimes de trânsito e tráfico de drogas. A prática em grupo favorece reflexões sobre o cotidiano e as formas de enfrentamento das situações apresentadas, além de propiciar um ambiente de troca de experiências, vivendo relações mais igualitárias e solidárias em uma mesma atividade social e institucional.
A VEPMA atua na restauração de relações e promoção da paz, responsabilizando as pessoas de forma digna, autônoma e livre. Sua principal função é acompanhar aqueles que cumprem Penas Restritivas de Direitos e Acordos de Não Persecução Penal. A juíza titular da Vara, Danielle Pontes de Arruda Pinheiro, ressalta a importância do trabalho.
“As penas e medidas alternativas desempenham um trabalho significativo na promoção da responsabilização com dignidade e autonomia. A violência que ocorre cotidianamente é multifatorial. Precisamos de meios para preveni-la e assegurar a inclusão das pessoas que necessitam de ressocialização. Nós trabalhamos com o compromisso de fortalecer as alternativas penais e, com isso, reduzir a reincidência criminal”, explicou.
PARCERIAS
Atualmente, a Vara conta com mais de 4 mil pessoas em cumprimento de penas restritivas de direitos, prioritariamente com as penas de Prestação de Serviço à Comunidade ou a Entidades Públicas (PSC), Limitação de Fim de Semana (LFS) e Prestação Pecuniária, além de mais de 200 parcerias e convênios com outras instituições e com profissionais voluntários, que possibilitam o desenvolvimento das práticas restaurativas.
A assistente social do VEPMA, Elizângela Gomes, conta que essa rede de apoio é fundamental para o propósito. “Estamos sempre atentos aos manuais e recomendações que o Conselho Nacional de Justiça lança para cada vez mais aprimorar o atendimento às pessoas. Nós já temos 25 anos de funcionamento e estamos cada vez mais nos desenvolvendo. Prezamos muito pela ressocialização, para que essas pessoas não sejam excluídas da sociedade e, sem a rede de apoio, não iríamos conseguir efetivar o nosso trabalho.”
As parcerias possibilitam o desenvolvimento de algumas ações, como o Projeto de Escolarização Penas Alternativas, que ajudou João* em sua capacitação profissional. “O tratamento do pessoal na Vara é nota mil com a gente. Tem muita atenção, muito carinho, e eu sou grato a eles. Já concluí o Ensino Médio, fiz muitos cursos, tenho um monte de certificado aqui. Já fiz o Enem para Serviço Social, infelizmente, eu não consegui, mas já estou estudando agora de novo para tentar o Enem novamente”, disse animado.
João vem de uma família com 15 irmãos e muitos sobrinhos que, agora, comemoram a sua restauração. “Tenho 3 filhos e 1 neto e eu os vejo muito orgulhosos e felizes com a minha motivação hoje. Minha família é grande e unida. Sempre que estou com eles me sinto em paz e muito agradecido”.
Essas histórias não são exceções, e sim uma prova de que as penas alternativas oportunizam reabilitação, redenção e construção de uma sociedade mais justa e humana. Essas medidas têm ajudado aqueles que erraram a encontrar seu caminho de volta e fortalecido a comunidade. Afinal, a Justiça não é apenas um martelo que cai, mas também uma mão que se estende.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados
Fonte – Reproduzido do site do TJCE
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