Por uma Questão de Ética na Advocacia 07 – Adv. Adriano Pinto
Meu desencanto com o ministro Celso de Mello teve inicio ao ler episódio relatado no livro “Código da Vida”(pág. 170), de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça responsável pela sua nomeação para o STF no governo Sarney.
Transcrevo a narrativa:
“Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.
Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:
— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.
— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.
Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.
O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.
O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.
Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.
Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.
Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.
— Claro! O que deu em você?
— É que a Folha de S.Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim.
— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
— Exatamente. O senhor entendeu?
— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”
II.- Até agora evitei relembrar essa exposição de Saulo Ramos, esperando que o ministro Celso de Mello contestasse por qualquer forma essa narrativa mas, não tenho conhecimento de que isto aconteceu, e sua próxima saída do Supremo Tribunal que ele antecipou, encerra expectativa de confrontação contra o registro que nodoa sua decantada posição de decano do tribunal.
Aliás, em Em 2008, ao entrevistar o advogado Saulo Ramos, o jornalista Frederico Vasconcelos, repórter especial da Folha de S. Paulo, perguntou se a revelação do diálogo em suas memórias trouxera algum constrangimento, e se o ministro havia se manifestado.
Nem uma coisa, nem outra, respondeu Saulo Ramos. A liberdade de expressão e a critica são valores que não devem espantar jornalistas, comentou na entrevista.
Frederico pontuou, a propósito, que o ministro Celso de Mello não ligou para reclamar da entrevista.
Meu desencanto com o ministro Celso de Mello aumentou quando depois de haver exortado o rigor judicial contra os corruptos poderosos, fato que mereceu destaque no JORNAL DA GLOBO na noite de 25.09.2020, deu-se ao acolhimento de soltura para condenados em segunda instância, sabido que recursos aos tribunais superiores NÃO REVOLVE A PROVA DE CULPA OU INOCENCIA.
Considero que a saída de Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, é benéfica à luta contra corruptos poderosos.
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ADRIANO PINTO