DIREITO

Por que se faz necessária uma regulamentação da IA para o Brasil

Por Cássio Pantaleoni, Head of AI Solutions and Strategy da Quality Digital

 O ano de 2023, de certo modo, foi o ano regulatório da Inteligência Artificial (IA). Ainda em maio, o G7 Summit destacou a importância de promover guardrails para os sistemas avançado de IA em bases globais.

Em agosto, foi a vez da China promulgar uma lei especificamente associada à IA Generativa, com o intuito de mitigar prejuízos essenciais aos indivíduos, manter a estabilidade social e assegurar sua liderança regulatória internacional a longo prazo.

Na esteira deste processo, coube aos EUA, na figura de seu então presidente Biden, emitir uma ordem executiva que dava conta de nortear a aplicação da IA para o campo da confiabilidade, segurança e da proteção dos elementos fundamentais da soberania americana.

Contudo, a cereja do bolo foi, em larga medida, o Ato da IA da União Europeia, pré-aprovado em dezembro de 2023 e sancionado no início de 2024. Profundamente debatido e bastante abrangente, o Ato alcança o estatuto de uma regulamentação com vocação internacional concebida como framework legal para o desenvolvimento e aplicação de sistemas de IA para os países membros do bloco.

No Brasil, a lei 2.338 da Inteligência Artificial, marca uma inflexão na regulamentação das tecnologias emergentes no país. Em larga escala, a lei possui aspectos positivos, mas também denota certa fragilidade em áreas estratégicas para o desenvolvimento de nossa liderança no campo da IA.

No centro da regulamentação brasileira encontra-se disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), enfatizando a proteção de dados pessoais com ênfase na privacidade. A lei pretende, deste modo, garantir que a IA não comprometa os direitos individuais. A LGPD também quer incentivar a inovação, oferecendo alguns incentivos fiscais e subsídios para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento de IA. Este aspecto visa posicionar o Brasil como um hub de inovação tecnológica, estimulando a competitividade e a criação de startups no setor de IA. No que tange aos impactos sociais, a inclusão digital e o uso ético da IA para reduzir desigualdades estão contemplados por meio da promoção de programas educacionais e de capacitação para populações vulneráveis, preparando a força de trabalho para a era da inteligência artificial. A ideia é mitigar os impactos sociais negativos da automação, promovendo uma transição mais equitativa.

No entanto, há pontos negativos a destacar. O primeiro deles gravita em torno de uma excessiva burocracia, como a exigência de múltiplas avaliações e certificações que poderão sobrecarregar as empresas – especialmente startups e pequenas empresas – com custos adicionais e processos demorados. Este aspecto burocrático pode desencorajar a inovação e a adoção de novas tecnologias. Embora a lei tenha intenções interessantes, alguns críticos citam ambiguidade em certas disposições, possibilitando interpretações conflitantes e insegurança jurídica. Há falta de clareza em relação a responsabilidades e penalidades específicas que dificultarão sua aplicação prática. Há ainda preocupações sobre o potencial uso da regulamentação de IA para fins de controle estatal. Este aspecto levanta questões sobre a proteção das liberdades civis e os limites da intervenção do Estado.

Estamos, em todo o caso, diante de um marco importante na regulamentação da IA. Tal componente regulatório é necessário para trazer equilíbrio entre proteção de direitos, incentivo à inovação e promoção da inclusão social. No entanto, a eficácia da lei dependerá de sua implementação prática e da capacidade de mitigar os riscos associados. A transparência, a clareza regulamentar e a vigilância constante da sociedade civil serão essenciais para garantir que os benefícios superem os desafios.

Perfil do autor

Cássio Pantaleoni conta com mais de 25 anos de trajetória de sucesso na liderança de iniciativas em tecnologia e inovação. Pantaleoni também é autor e conquistou em 2023 o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira de Livros (CBL) com o livro Humanamente Digital: Inteligência artificial centrada no humano.   Na Quality, o executivo é head de IA & Analytics

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